Foro de São Paulo: Seminário Governos de Esquerda discute alternativas ao neoliberalismo
O Foro de São Paulo realizou no dia 5 de julho, em Caracas, o II Seminário sobre governos progressistas e de esquerda, com a promoção de dois grandes debates. O primeiro, que tratou da superação do neoliberalismo na América Latina e no Caribe, teve a participação de Emir Sader (Brasil), Jesús Farias (Venezuela) e Fernando Lopez (Uruguay). O segundo, que teve como temas a democratização da comunicação, do poder judicial e dos processos eleitorais; as conquistas atuais e metas futuras de bem-estar social nos países governados pela esquerda; e a situação do setor primario exportador e os desafios da industialização, contou a participaçao de Guillermo Gomez Santibanez (Nicarágua), Alba Carosio (Venezuela), e Osvaldo Martínez (Cuba).
Na abertura dos debates, a secretária de Relações Internacionais do PT e diretora da Fundação Perseu Abramo, Iole Ilíada, enfatizou que o evento era uma iniciativa da Rede de Fundações e Centros e escolas de Formação dos partidos membros do Foro, constituída há quatro anos durante o encontro realizado no México, e que a primeira edição do seminário foi realizada no Rio de Janeiro, de 30/6 a 2/7 de 2011.
Segundo Iole, uma das iniciativas analisadas pela Rede foi a criação de um observatório dos governos progressistas e de esquerda para conhecer e compreender com maior profundidade o que se passava nos governos conquistados na região, bem como os limites e obstáculos para que sigam avançando. Para Iole, muitos acreditam que o fato de a esquerda e os partidos progressistas terem ganho o poder na região significaria que o neoliberalismo teria sido superado, mas essa não é a realidade. A dirigente petista enfatizou que caso a esquerda não se debruce sobre os limites e obstáculos de seus governos, as forças conservadoras podem se fortalecer e destitui-los: "Queremos instalar governos pós neoliberais, mas para isso isso é preciso conhecer nossos limites e traçar ações para superá-los", finalizou Iole.
A superação do neoliberalismo na América Latina e no Caribe
Para Emir Sader, secretário executivo da Clacso (Conselho Latino-americano de Ciencias Sociais), a América Latina foi o continente que teve o maior número de governos neoliberais – e dos mais radicais, e que estes deixaram a herança de Estados reduzidos ao mínimo, a abertura comercial, a fragmentação da sociedade, com a flexibilização dos direitos trabalhistas, e a financeirizacão da economia, com especulação financeira e transferência de capitais do setor produtivo para o especulativo.
A ascensão de governos de esquerda na região, segundo Sader, evitou que a crise atual atingisse os países de modo avassalador como ocorreu em outras épocas. Mesmo com a herança deixada pelo neoliberalismo, países como a Venezuela, o Brasil e a Bolívia teriam encontrado outras saídas. Os três países, segundo Sader, tem em comum a prioridade da política social (e não a do ajuste fiscal), a integração Sul-Sul, e a proposta de um Estado indutor de desenvolvimento econômico.
Segundo Sader, a região vive sob fortes heranças do passado: a ditadura do dinheiro, na qual o capital financeiro continua sendo hegemônico e especulativo; a ditadura da terra, que além da concentração da propriedade de grandes extensões impõe a monocultura em detrimento dos pequenos produtores; e a ditadura da palavra, com o monopólio privado, no qual poucas famílias falam em nome de todos. “Se não houver a democratização da comunicação, não haverá democracia na America Latina”, afirmou Emir Sader.
Sader apontou algumas dificuldades para as mudanças que se fazem necessárias. Ele enfatizou que o capitalismo não vai acabar sozinho e que para isso é preciso ter uma alternativa. Até o momento, afirmou, não foi criado um modo de vida diferente daquele da sociedade de consumo, e também não foram construídos valores alternativos. Para Sader, os governos serão consolidados quando a sociedade tiver valores humanitários, cooperativos. Ele também chamou a atenção para a questão do desenvolvimento econômico e da defesa da sustentabilidade, com a necessidade de contrapartidas para as populações locais.
O deputado Jesus Farias, deputado do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), lembrou que o seminário acontecia justamente no dia em que a Venezuela comemorava 201 anos de sua independência e que, em muitos países, os problemas do colonialismo continuavam fazendo parte da agenda política e revolucionária. Para ele, a atual crise internacional é a pior dos ultimos 80 anos, como um furacão que segue fazendo estragos em todos os âmbitos da vida social. Esta é a crise do capital e do neoliberalismo, afirmou.
Para o deputado venezuelano, as forças de esquerda latino-americanas e caribenhas devem buscar um leque mais amplo de alternativas para dar resposta a essa situação, baseadas no fortalecimento de políticas sociais. Ele falou também sobre a experiência da revolução bolivariana de superação da herança neoliberal deixada pelos governos anteriores, calcada, principalmente, na participação popular por meio das Comunas, que garantem que as pequenas e grandes decisões reflitam a vontade da grande maioria.
Para Farias, há mudanças econômicas e culturais que precisam ser adotadas pelos países da região caso a América Latina queira seguir o caminho do socialismo, as quais seriam: deixar de ser meros exportadores de matérias primas; acabar com a concentração privada sobre os grandes meios de produção; e dar impulso a um projeto nacional democrático e popular, desenvolvendo uma política internacional de unidade dos povos.
Uma mudança fundamental, segundo Farias, é a necessidade de as esquerdas se convencerem de que existe sim uma alternativa ao neoliberalismo e que as contradições e obstáculos estão presentes – mas só será possível superá-los se o sujeito dessa mudança puder se consolidar.
O historiador Fernando Lopez, representante da Frente Ampla, do Uruguai, lembrou Marx ao dizer que economia implicava decisões políticas. Para ele, na história da ideologia dominante, nenhuma foi tão sectária quanto o neoliberalismo, e é histórico o atual momento de decadência desse modelo. Ele lembrou que, em outros momentos, a crise do neoliberalismo levou a ditaduras como as que se instalaram na Argentina e no Uruguai. Lopez falou sobre a história uruguaia e sobre as políticas neoliberais das últimas décadas até a ascensão do governo de esquerda, formado pela Frente Ampla.
A América Latina, segundo Lopez, precisa lutar contra o neoliberalismo, evitando cair na primarização da economía e na divisão regional de trabalho. “Como socialistas, comunistas e progresistas que pensam socialmente a evolução histórica, se queremos criar uma América Latina nova, temos obrigação de não cometer os mesmos erros”, disse Lopez. Ele se disse otimista com os novos tempos, que, imagina, serão contraditórios. Mas, baseado na experiência uruguaia, da Frente Ampla, ele acredita que é possível chegar a uma América Latina unida e melhor.
Atualizado em 10/7/2012 às 18h35
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