Rio de Janeiro – Após meses de negociações, foi finalmente acordado por consenso o documento base a ser ratificado pelos chefes de Estado reunidos na Rio+20. Tem 49 páginas e deixou para trás inúmeros pontos polêmicos sobre prazos, restrições, normas de conduta e penalidades para os que não aderirem ao pacto ambiental a ser firmado na capital carioca.

Em outras palavras, ao que tudo indica, o fato positivo reside no fato em si de existir um documento. Sua construção é vaga o suficiente para contornar arestas, evitar conflitos, contentar a todos e – por conseguinte – ser inócuo.

É raro serem aprovados acordos entre Estados soberanos que escapem ao senso comum. As dificuldades estão não apenas nas visões e enfoques de governos de diversas orientações. Os limites de tais tratados residem também na maior ou menor capacidade desses Estados exercerem sua soberania interna. Ou seja, um tratado internacional, a princípio, não pode violar o poder público de cada país.

Consensos e dissensos

O método de aprovação de documentos como o rascunho da Rio+20 parte de um princípio que parece democrático, mas não é. Trata-se da ideia de se “construir consensos”.

Democracia não é consenso. Democracia é conflito e decisão de maioria, desde a Grécia antiga. A decorrência da adoção de tal primado é a subordinação da minoria à maioria, respeitando direitos de manifestação de todos. É algo imperfeito, mas até agora não se encontrou maneira mais racional de se tomarem decisões coletivas.

O consenso, ao contrário, é antidemocrático e ineficiente.

É antidemocrático por ter como meta a eliminação das diferenças. A diversidade passa a ser vista não como valor a ser preservado, mas como fator nocivo ao entendimento.

O consenso pode ser obtido de duas maneiras. A primeira é através da supremacia ou da hegemonia de um ou mais membros de determinado coletivo. Assim se deu na assinatura do Consenso de Washigton, em 1989. Nada havia de democrático ali. Os Estados Unidos, valendo-se de seu poder econômico – potencializado pelo fato de serem os emissores da moeda internacional – e das pressões que é capaz de exercer em todas as esferas das relações internacionais, impuseram um duro receituário aos países da periferia.

A outra forma de se obter consensos reside em se chegar a diretrizes desidratadas de quaisquer ímpetos transformadores, que podem ser aceitos por todos. Não produzem, em geral, efeito algum.

Os pontos de conflito são excluídos de qualquer entendimento coletivo. Um único agente tem a prerrogativa de discordar de uma posição majoritária e inviabilizar um pacto comum. Além disso, temas que ficarem de fora do acertado podem ser encaminhados livremente por qualquer um, sem que tal ação seja vista como desrespeito à maioria. O consenso é contra votação ou deliberação democrática.

Anarquia internacional

O sistema internacional não é democrático. Faltam regras e normas disciplinadoras. Vigora a anarquia, que não quer dizer bagunça, mas ausência de governo.

Assim, quaisquer deliberações entre Estados, tomadas no âmbito da Organização das Nações Unidas ou de grupos de países como o G-20, G-77, OMC, União Europeia, Mercosul e outros não têm força de algo que se assemelhe à lei ou normas legais. O que se firma são acordos, tratados, protocolos e pactos específicos.

As sanções possíveis para países que desrespeitem partes ou o todo de tais contratos não estão escritas em nenhuma regra geral, pois inexiste uma Constituição Universal. As penalidades se inscrevem no corpo dos próprios acertos.

Em casos como a OMC, o país que não seguir orientações acordadas pode se ver excluído dos fluxos internacionais de transações da própria organização. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é apenas isso, uma declaração.

O fator determinante a estabelecer punições é a hierarquia entre países, um eufemismo para designar a correlação de forças internacional. As invasões de países como Afeganistão, Iraque e Líbia não obedeceram quaisquer contratos internacionais, mas a lei do mais forte ou a recorrente lógica imperial.

Racionalidade e previsibilidade
A criação de organismos multilaterais ao longo das últimas décadas – ONU à frente – faz parte de esforços para se dotar as relações internacionais de um mínimo de racionalidade e previsibilidade. A ONU, como se sabe, é fruto da correlação de forças existente na arena mundial ao fim da II Guerra Mundial.

O poder maior estava com os Estados Unidos, que legitimaram a constituição de um Conselho de Segurança, composto atualmente por 15 países, cinco deles (EUA, Inglaterra, França, Rússia e China) com poder de veto sobre decisões de maioria.

Interferências no mercado

Nesse quadro é que se balizam as tentativas de se produzirem acordos na Rio+20. Diretrizes sobre o aquecimento global, a emissão de gases, a proteção ecológica implicam o estabelecimento de limites para agressões ao meio ambiente e mudanças em padrões de produção e consumo.

A prioridade dada ao transporte individual, por exemplo, entra em choque direto com políticas de mobilidade urbana eficientes e não poluentes.

Regras desse tipo interferem na economia de mercado, acarretando custos e restrições à busca incessante de lucros por parte das grandes corporações mundiais. Há fortes oposições a alternativas como essas.

É possível chegarmos a uma situação em que os interesses das maiorias prevaleçam sobre os das minorias econômicas? Sim, é. Mas sua materialização dependerá não apenas da construção de uma nova correlação de forças internacional, mas especialmente em saber que vários interesses serão prejudicados.

Decisões assim não serão fruto de consensos. Serão resultado de uma dura batalha democrática para saber quem pagará a conta da proteção ambiental.

*Gilberto Maringoni é autor do livro A Venezuela que se inventa – Poder,petróleo e intriga nos tempos de Chávez, editado pela Editora Fundação Perseu Abramo (EFPA).

 

Saiba mais:

Conheça o livro A Venezuela que se inventa – Poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez, de Gilberto Maringoni (Publicado pela EFPA)