Mudança nas lei de aquisição de terras é muito mais do que parece
Darcy Ribeiro, que foi chefe da Casa Civil de Jango justamente em 1964, conceitua, no excelente livro de bolsa lançado pela Editora da UnB "Jango e Eu", que a classe dominante brasileira seriam os executivos das multinacionais instaladas no Brasil.
Hoje, a comissão de agricultura da Câmara, bancada ruralista à frente, atropelando o parecer do relator Beto Faro (PT-PA), aprovou uma medida escandalosa, da maior gravidade, a alteração da permissão de aquisição de terras por estrangeiros. Antes, 51% de capital nacional era exigido na composição da empresa para ela poder comprar terras. Se vingar a proposta, bastando ter 0,01% de capital brasileiro a compra poderá ser realizada. Isso porque a regra agora é considerar "brasileiras" as empresas constituídas no país "conforme a nossa legislação".
Assim, existe a Coca-Cola Brasil, a Volks Brasil, etc. Assim, controladoras estrangeiras poderão comprar terras a rodo.
E onde está o problema?
Embaixo das terras, há recursos naturais que são objeto hoje e amanhã – especialmente – das grandes potências. E não só, isso, a China, por exemplo, afora ser aliada e dos BRICS, tem uma violenta política de compra de terras na África. Por que será?
Nos dois casos, assegurar produção de alimentos e, mesmo, o controle de um setor-chave da economia tanto mundial, quanto local. Lembremos que o superávit comercial do Brasil é, hoje, puxado por Petróleo (lembremos dos "poços de quintal" em estados nordestinos…), suco de laranja, carne, soja e minérios. Exatamente coisas exploradas e produzidas onde de colocam cercas.
No contexto da formulação do conceito de Economia Verde, que busca mercantilizar o mundo para a era pós-economia fóssil – ciclos reprodutivos de espécies animais e vegetais, ciclos da relação animais-natureza (como a polinização), energia solar e eólica, biodiversidade, etc, destacando as terras na Amazônia – é assombroso.
Não está em jogo, como se vê, meramente criação de gado e pasto. Por isso que está errado quem diz que o trator "criou mais facilidades". É muito pior do que isso e, enquanto se busca "alternativas", uma estratégia profunda e coordenada por atores econômicos de peso na cena mundial é encaminhada como se fosse apenas mais um capítulo da briga entre latifundiários, ONGs e movimentos sociais.
Por isso que, quando da aprovação do Código Florestal pela Câmara, após ruptura do acordo dos ruralistas com o governo, expresso na proposta gestada no Senado, era necessário uma posição duríssima (#VetaDilma), que mostrasse os limites que o governo e a sociedade estavam dispostos a estabelecer para este setor que, para além de defender seus interesses corporativos, está imbricado diretamente no sistema de dominação imperialista para a América Latina.
Esta é mais uma oportunidade para fortalecer o debate da necessária reforma agrária, o contrapoder deste sistema de dominação e marco polarizador fundamental para um novo contrato social a se apresentar no campo e nas relações de poder político e econômico que de lá emanam.
Essa medida, se for para frente, desarticula parte considerável dos esforços brasileiros para afirmar sua soberania nacional e seu protagonismo como potência emergente, co-liderança de novas coalizações globais por um novo modelo de desenvolvimento – sustentável – mundial.
É como a foto em que FHC aparece com Bill Clinton rindo dele por trás numa velha foto de chefes de Estado.
Não podemos jamais esquecer que a Lei de Terras, combinada com a Lei de Remessas de Lucro, de Jango, foi o estopim, não da quartelada católica, mas da vontade estadunidense de mudar o regime brasileiro. O que realmente definiu o desfecho conhecido daquele 01 de abril. E Lincoln Gordon, sobre a última, só demandava a seguinte alteração: que se considerassem "brasileiras" as empresas constituídas sob a legislação do país, independentemente do capital controlador.
*Leopoldo Vieira, é membro da Direção Nacional da Juventude do PT e editor do blog Juventude em Pauta!