No Brasil Roberto Civita, na Inglaterra Rupert Murdoch
Só o fato de terem existido os cerca de 200 telefonemas entre Cachoeira e Policarpo Júnior, o chefe da Veja em Brasília, já apontam para uma sociedade íntima nos negócios políticos entre o grupo e a revista. Tal como se revelou íntima a sociedade comercial entre Cachoeira e a empreiteira Delta com os telefonemas de Cláudio Abreu, seu diretor para o Centro-Oeste.
A Veja precisa ser investigada pela CPI. A Delta também. Roberto Civita, seu editor e presidente, precisa ser ouvido na Comissão de Inquérito do Congresso Nacional. O presidente da Delta, Fernando Cavendish, também, como a própria Veja preconizou.
Por que Roberto Civita, o dono do grupo Abril, não iria à nossa Comissão Parlamentar de Inquérito? Na Inglaterra, o magnata da mídia Rupert Murdoch acaba de depor no Comitê Parlamentar Multipartidário que investiga o escândalo de um tabloide de seu grupo, o News of the World, que vendia 2 milhões e 800 mil exemplares por domingo. Murdoch teve que ir ao Parlamento, mesmo não sendo o editor do tabloide investigado. Sentou-se lá para ser ouvido, ele, o dono do poderoso The Sun, jornal de maior circulação do país, do TheTimes, do The Sunday Times, do canal de TV British Sky, da TV Fox nos Estados Unidos, do Wall Street Journal, e assim por diante. Ultrapassamos a Inglaterra como 6ª economia do mundo. Nesta manifestação de democracia, precisamos ao menos empatar.
Lá na Inglaterra, o tablóide é acusado de escutas clandestinas com apoio de policiais. Aqui, a Veja é acusada de conluio com o chefe de uma organização criminosa, para pressionar autoridades no interesse da organização, favorecer seus negócios, destruir reputações de quem lhe atravessasse o caminho, dar prestígio e força ao braço parlamentar da organização.
A grande novidade que o caso Demóstenes & Cachoeira pode trazer à compreensão coletiva é uma visão mais clara dos métodos empregados na atualidade brasileira pela extrema direita parlamentar e extraparlamentar.
Um trecho de uma das gravações, divulgada pelo Estadão neste final de semana, é precioso para isso. Diz Cachoeira ao senador, em 7 de junho de 2011, logo após o Procurador Geral da República arquivar investigação contra o ministro Antônio Palocci: “Você deu uma cacetada no Gurgel aí?”. Demóstenes responde: “E, se não der, ele começa a pegar a gente também. Se não bater nele, ele anima”.
Trata-se do que em estratégia (militar ou política) chama-se ‘dissuasão’. Significa demonstrar força ou ameaçar, para influenciar a vontade do adversário, levando-o a não agir em determinada direção. É uma estratégia de risco. Um a mais, porque já há outro risco que se quer impedir. É uma reação antecipada para impedir uma ação.
Desde 2009 estava em mãos do Procurador Geral o resultado da operação Vegas da Polícia Federal. Demóstenes e Cachoeira agiam para amedrontar e paralisar Roberto Gurgel. A dissuasão só funciona quando há uma certa paridade de forças. Se assim não for, a ameaça não tem credibilidade, não consegue ser eficiente. Tenta-se agora passar a ideia de que Demóstenes agia sozinho.
É inegável que para o senador ter força dissuasória não bastava ser um senador. Precisava ser líder de uma frente de direita, que vai além do DEM e de seus colegas de oposição. A Veja era um aliado essencial para este poder de dissuasão, pela sua comprovada capacidade de prejudicar a imagem de qualquer um, e, portanto, de amedrontar.
Quando o caso veio à luz, a Veja, por si e por solidariedade, queria abafá-lo, fazendo-o não notícia. Fato consumado, ela continua tentando assustar os políticos. Na última edição, entrevista a mulher de Cachoeira, para defendê-lo e para transmitir ameaça dele: “vou explodir”.
Se o Congresso não levar à investigação as relações entre a revista Veja e o grupo criminoso de Cachoeira, ela, agora mansa, voltará a passar por cima das leis e dos direitos das pessoas, com os mesmos meios e objetivos que a fizeram promover o senador Demóstenes e servir ao bando do Cachoeira.
*Elói Pietá é secretário geral nacional do PT e vice-presidente da Fundação Perseu Abramo.