Um encontro entre os Presidentes do Brasil e dos Estados Unidos é sempre um acontecimento de relevância política para nós: uma conversa direta com o Chefe de Estado e de Governo da maior potência mundial, líder quase absoluto do Ocidente, especialmente do nosso continente americano tem sempre um significado importante. Mesmo ao tempo em que a relação era marcada pela histórica submissão do Brasil, era uma oportunidade especial para a apresentação de pleitos e reivindicações de certa magnitude que dava ao encontro um relevo indiscutível. A relação hoje mudou substancialmente: ainda que os brasileiros reconheçam a enorme superioridade econômica e bélica dos Estados Unidos, não há mais aquela submissão que caracterizou a nossa posição durante todo o século passado. Ainda não é, entretanto, uma relação de igual para igual, evidentemente.

E o encontro Dilma-Obama desta semana ocorreu num momento de atenções especiais e certamente adquiriu um caráter mais eminente do que as triviais visitas recíprocas de manutenção dos laços diplomáticos e comerciais.

Do lado brasileiro esteve a primeira mulher a ocupar a presidência, com a missão de consolidar uma mudança substancial na história política do País, que abriu a possibilidade antes impensável da eleição de um torneiro mecânico seguida de uma ex-revolucionária com dura passagem pelo cárcere da repressão da Ditadura. Esta mudança colocou o Brasil num elevado patamar de reconhecimento internacional, como uma das mais genuínas e avançadas democracias do mundo. E com a responsabilidade, dela também, de dar seguimento e aperfeiçoamento de uma nova política econômica voltada prioritariamente para a redistribuição de renda, o alargamento de mercado interno e o avanço sócio-cultural de todas as camadas da população. Do lado americano, a expressão significativa do Presidente que venceu talvez a mais improvável eleição da história daquela nação, o primeiro negro, de pai africano e muçulmano, e que tem logo à frente uma provável reeleição que lhe oferecerá campo para a realização de reformas importantes que pretendeu e não conseguiu implementar no primeiro mandato.

No pano de fundo do encontro, uma crise econômica mundial que se arrasta desde 2007, deflagrando agora uma verdadeira guerra comercial e cambial entre os países mais ricos e uma explosão social nos europeus mais afetados. No canto do mundo chamado Oriente Médio, uma tensão política que, ademais de ser permanente por décadas a fio, assume no momento um pico escarpado, com ameaça de uma guerra entre Israel e Irã, desdobrável em consequências potencialmente gravíssimas.

Não é difícil especular sobre os pontos mais importantes da conversa, que era para ser de vinte minutos e demorou duas horas: os pontos mais difíceis da agenda, os pontos de desencontro que não são referidos com destaque nos comunicados oficiais sobre o encontro. Um deles, certamente, foi este do Oriente Médio, particularmente a posição sobre o Irã, que o Presidente Obama, quase em tempo de campanha, não pode alterar em nada, tendo em vista a força político-eleitoral gigantesca dos grupos pró-Israel nos Estados Unidos. É possível que tenha dito à nossa Presidenta, sob restrita reserva, que vê com interesse a disposição mediadora do Brasil que pode vir a ser de enorme utilidade em futuro próximo, ao fim do ano, se exercida discreta e eficientemente.

No mesmo diapasão, Obama pode ter manifestado alguma simpatia pela liderança brasileira na América Latina, com capacidade para exercer também mediação construtiva sobre os atritos da grande potência com Cuba e com esta novidade que se vai consolidando, que é a Comunidade Bolivariana Outro assunto difícil é o do petróleo, mais especificamente, o Pré-sal. A decisão política, vital para o nosso desenvolvimento, de manter a exploração sob execução exclusiva da Petrobrás, obviamente é incômoda para os tradicionais e fortes interesses americanos. E é um desencontro de interesses que pode se tornar inflamável no próximo quadriênio, no curso do segundo mandato de Obama. É de se esperar que tenha sido bem firme a posição da Presidenta Dilma.

Finalmente o ponto da mais alta relevância não só para pó Brasil mas para o mundo e a Humanidade: a questão da reforma da ONU e do Conselho de Segurança.. É crucial, sim, não só pelas razões políticas, como a possibilidade de que a associação de interesses dos Estados Unidos com China evolua para um contencioso cada vez mais forte e até para uma nova guerra fria, como também pela urgência do estabelecimento de uma certa governança mundial para gerir a questão ambiental. Aliás, no inevitável enfrentamento com a China, a aliança do Brasil pode ser de importância inestimável para os Estados Unidos.

O bom e amistoso relacionamento com os Estados Unidos é obviamente de grande importância para nós. E eu acredito que este último encontro, que se encerrou sem fanfarras, tenha sido muito positivo para o fortalecimento desses laços políticos tradicionais e relevantíssimos para nós.

 

Roberto Saturnino Braga é ex-senador (PT-RJ), integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo

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