Reformas econômicas preservam sistema de educação cubano
Desafio é fazer com que os jovens consigam trabalhar nas áreas em que se formaram
O amplo processo de reformas econômicas, acelerado nos últimos anos com a chegada de Raúl Castro à Presidência, tem gerado muitas discussões em Cuba. A reintrodução paulatina da atividade privada, após décadas de controle estatal, é defendida pelo governo como forma de dinamizar e modernizar a economia, e, sem dúvida, tem provocado mudanças profundas na sociedade cubana.
Mas se ajustes precisam ser feitos no modelo econômico, há pelo menos um setor em que poucos defendem grandes alterações: o sistema educacional, cujos resultados são reconhecidos internacionalmente.
Desde a revolução, em 1959, a educação sempre esteve no topo da lista de prioridades em Cuba, mesmo no Período Especial (1990-2000), quando a economia local enfrentava a maior crise de sua história por conta do colapso da União Soviética. Essa lógica deve sobreviver à“adaptação do modelo”, garante o presidente da Assembleia Nacional do Popular, Ricardo Alarcón. “Não vamos privatizar a educação, nem a saúde pública, nem desmantelar o sistema de seguridade e assistência social dos quais dispõem e desfrutam todos os cubanos”, afirma.
De fato, o documento elaborado a partir das conclusões do VI Congresso do Partido Comunista, realizado entre 17 e 19 de abril de 2011, reserva espaço de uma página apenas para tratar de educação, e o verbo “continuar” está presente em quase todos os parágrafos. Foi definido como objetivo “atualizar o ensino de acordo com as novas tecnologias” e aumentar o número de vagas em cursos técnicos e superiores nas áreas de agropecuária, tecnologia e pedagogia.
Atualmente, a taxa de analfabetismo em Cuba é inferior a 1% entre jovens e adultos – em 1959, quando a Revolução derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista, 35% dos cubanos não sabiam ler e escrever. De acordo com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), é ainda o décimo quarto país do mundo, num total de 128 que compõem o ranking, que mais cumpre as metas estabelecidas pela agência da ONU. “Um desempenho extremamente bom”, concluiu o último relatório da entidade.
Mesmo preservando a política educacional das últimas décadas, o governo fez alguns cortes de benefícios antes oferecidos aos estudantes, para reduzir ou otimizar gastos estatais. Os refeitórios estudantis, por exemplo, sofreram diminuição de verbas. Antes, todos os alunos, desde o primário até o Ensino Superior, tinham direito a almoço gratuito. Agora, têm direito a uma refeição apenas os alunos provenientes de outras províncias.
Mercado de trabalho
“É triste estudar para vender pão com queijo”, desabafa Mari Londres, depois de trinta minutos de conversa. Aos 32 anos e formada em contabilidade, deixou o cargo de contadora em uma corretora de seguros estatal para ser atendente em uma das dezenas de cafeterias próximas à Universidade de Havana. Seu trabalho agora é lavar louça, servir suco e montar cachorro quente. “Aqui a remuneração é um pouquinho maior do que em meu emprego anterior”, afirma, com algum desapontamento. "Não é que não goste de estar aqui. Só não é esta a carreira que eu escolhi."
O governo cubano não sabe precisar quantos profissionais deixaram as áreas que escolheram para trabalhar em cargos diferentes desde o período especial. O fato é que a economia cubana ainda é incapaz de absorver toda a mão-de-obra capacitada formada em suas escolas, o que pode prejudicar a expectativa dos jovens, reconhece o economia Lázaro Peña Castellanos, diretor do Centro de Pesquisas de Economia Internacional, ligado à Universidade de Havana. Castellanos observa que esse foi um dos temas centrais debatidos no VI Congresso.
Sabe-se que a maior parte dos 5,1 milhões de trabalhadores está hoje no setor de serviços (60%), incluindo o setor estatal e o não-estatal, que vai desde os contapropistas (trabalhadores autônomos), como Mari, até aqueles que trabalham nos hotéis. Em seguida, está a agricultura (20%) e a indústria (19,4%).
Adaptação
Em meio ao processo de “atualização do modelo”, os cubanos com menos de trinta anos talvez sejam os mais impactados com as mudanças na ilha. “Os cubanos nascidos desde a vitória da revolução, principalmente os que nunca viajaram a outro país, não sabem o que é desemprego, analfabetismo ou sistema de saúde precário. E essa geração que já nasceu com as conquistas agora quer mais.”, observa Liudmila Álamo Dueña, primeira secretária da UJC (União de Jovens Comunistas, braço juvenil do Partido Comunista, com 600 mil filiados entre 15 e 30 anos). Para ela, que lidera atrair a participação dos jovens se tornou um elemento-chave no processo de reformas.
Liudmila admite que o fato de especialistas, principalmente jovens recém-graduados, trabalharem em outros setores se tornou um problema social, mas analisa que “nunca houve êxodo massivo”. “Cursar uma carreira universitária para exercer uma profissão é um sonho do jovem. Acredito que muitos irão retornar às suas profissões." Assim como o economista Lázaro Peña, Liudmila acredita que a força que vai atrair aqueles que se afastaram será o crescimento da economia, acompanhado por mais oportunidades e melhores salários. "A esperança entre os jovens é que as reformas acelerem o desenvolvimento e criem empregos associados às suas carreiras profissionais", destaca a líder juvenil.
Leia também:
– Exportações brasileiras para Cuba cresceram seis vezes desde 2003
– Cuba vê crescimento de pequenos negócios com redução do emprego estatal
– Bloqueio dos EUA causou prejuízo superior a US$ 1 trilhão, diz Cuba
– Colapso da União Soviética reduziu economia cubana em 34%
– Primeiro ciclo de reformas econômicas em Cuba começou nos anos 1990
– Transformações na agricultura são laboratório para reformas em Cuba
– Alto nível de escolaridade afasta trabalhadores cubanos do campo