Há uma percepção entre alguns aliados do Brasil de que estaríamos realizando menos do que podemos na esfera internacional e, em sua ânsia de tentar pautar o governo e a opinião pública, a mídia brasileira tenta mostrar que houve uma inflexão em nossa política externa.

Embora o atual governo seja continuidade do anterior e comprometido com o mesmo projeto, trata-se de presidentes diferentes, Lula e Dilma, e também de ministros de Relações Exteriores diferentes, Amorim e Patriota. É natural, assim, que o estilo de trabalho seja diferente.

De fato, em comparação com o primeiro ano do governo Lula, quando o presidente realizou 27 viagens ao exterior, a presidenta Dilma saiu do país apenas doze vezes em 2011 e os posicionamentos de nosso ministro de Relações Exteriores sobre os temas internacionais atuais são menos incisivos que os de seu antecessor.

A presidenta, porém, prestigiou todos os eventos internacionais que Lula ajudou a criar ou a fortalecer, como a Unasul, a Celac e o Mercosul aqui na nossa região, bem como os fóruns multilaterais como o G-20 financeiro, o Brics e a IBSA. Também esteve na V Cúpula União Europeia – Brasil em Bruxelas, em outubro, além de ter feito um discurso memorável na abertura da Assembleia Geral da ONU um mês antes. Aproveitou esses momentos para realizar visitas bilaterais a parceiros importantes para o Brasil, como China, Peru, Venezuela, África do Sul, Angola, Moçambique, Turquia, entre outros.

O primeiro país por ela visitado foi a Argentina já em fevereiro de 2011, ao qual se seguiram Uruguai e Paraguai, ainda no primeiro semestre. É à luz dessas prioridades de nossa política externa que devem ser vistas as recentes visitas bilaterais a Cuba e ao Haiti, pois o Caribe é também uma região indispensável para a projeção brasileira e para a integração regional.

Durante o governo Lula foram abertas embaixadas nos países caribenhos onde não havia, é uma área importante para o comércio de bens industriais brasileiros e o Brasil tem um papel relevante na cooperação com a região, como a construção do Porto de Mariel em Cuba, o primeiro de águas profundas no Caribe, bem como a participação na estabilização política no Haiti, desde 2004, e o apoio na reconstrução do país após o terremoto que o devastou dois anos atrás.    

Além dos acordos bilaterais assinados com o governo cubano, Dilma foi inequívoca na condenação ao bloqueio americano e o trato do tema direitos humanos na política externa deve ser no âmbito multilateral e sem ingerência unilateral em assuntos internos de outros países. Em sua afirmação “quem tem telhado de vidro não joga pedra na casa dos outros”, foi muito clara ao se referir especialmente ao governo dos EUA, que mantém centenas de prisioneiros sem julgamento e sem condenação na base de Guantánamo, em Cuba. Essa postura é coerente com sua crítica à pena de morte, particularmente a lapidação de mulheres, seja no Irã, seja na Arábia Saudita.

No Haiti ela anunciou a redução do contingente brasileiro na Minustah para 1,9 mil integrantes e também a decisão de entregar vistos de trabalho e permanência no Brasil para 1,2 mil famílias de haitianos por ano, como forma de colaborar com os que desejam tentar a sorte em outro lugar e evitar assim a proliferação de criminosos que vivem à custa do desespero das pessoas que querem emigrar.

Embora o Brasil esteja fazendo sua parte para ajudar o Haiti, inclusive na construção de infraestrutura e obras de engenharia escolhidas pelo governo haitiano, como a Hidrelétrica de Artibonite, que suprirá a capital Porto Príncipe, a verdade é que a comunidade internacional está falhando em seus compromissos, seja na alocação de recursos inferior ao valor prometido, seja na drenagem de grandes recursos para seu próprio funcionamento, seja em realizações não prioritárias para o governo do Haiti e até mesmo à sua revelia.

É importante registrar que as viagens internacionais realizadas pela presidenta ocorreram antes de sua primeira visita bilateral aos Estados Unidos, prevista para abril, ou a outro país desenvolvido como a Alemanha, agendada para o início de março. O que indica que a ordem de prioridades nas relações multilaterais, regionais e bilaterais se mantém.

*Kjeld Jakobsen é consultor em Cooperação e Relações Internacionais.