O desconhecimento sobre a civilização maia levou a que alguns vissem em seu calendário uma profecia de que o mundo chegaria a seu fim em 2012. Mas hoje se sabe que nenhuma profecia de fim do mundo foi desenvolvida pelos maias, que apenas viam um novo ciclo se abrindo, como antes outros haviam existido.

O desconhecimento sobre a civilização maia levou a que alguns vissem em seu calendário uma profecia de que o mundo chegaria a seu fim em 2012. Mas hoje se sabe que nenhuma profecia de fim do mundo foi desenvolvida pelos maias, que apenas viam um novo ciclo se abrindo, como antes outros haviam existido.

Na economia também não faltam analistas apocalípticos, que vislumbram a cada nova dificuldade o fim do mundo econômico, sem ver os avanços (e retrocessos) que as sociedades construíram, muitas vezes a duras penas. No Brasil, aqueles que não aceitam o novo ciclo desenvolvimentista aberto com as eleições de 2002 (e aprofundado após 2006) e que deu fim ao liberalismo dos anos 1980 e 1990, transformaram-se em  verdadeiros arautos do apocalipse, insistindo nele a cada novo passo.

Mas, ao contrário das previsões catastrofistas, 2012 – dez anos depois do início da superação das “décadas perdidas” – apresenta para o Brasil, além das dificuldades (sempre existentes, em maior ou menor grau), a possibilidade real de enfrentá-las e dar continuidade ao recente crescimento econômico sustentado em meio a uma histórica redução das desigualdades.

O ano anterior

Ano de novidades e surpresas no campo macroeconômico, depois de um crescimento intenso do PIB em 2010 (7,5%), 2011 começou com um esforço de contenção da expansão econômica e de enfrentamento da elevação da inflação, embora esta não fosse determinada exclusivamente por variáveis internas e tivesse componentes resultantes da elevação internacional dos preços das commodities.

Desde que assumiu o governo federal em 2011, a nova administração buscou romper com iniciativas unilaterais e inflexíveis centradas unicamente na taxa de juros. Foram adotadas políticas macroprudenciais voltadas à regulação do crédito e outras visando à estabilização cambial, como a cobrança de IOF e a determinação de registro das operações com derivativos, o que objetivava uma entrada menor de recursos externos no país.
 
Mas para que essas políticas pudessem se consolidar, em paralelo às novas medidas de controle inflacionário também foi promovida uma consolidação fiscal, com a reversão dos estímulos dados em 2009-2010 no combate à crise, cortados cerca de R$ 50 bilhões em gastos públicos (depois ampliados em mais R$ 10 bilhões) e criados mecanismos de maior eficiência e gestão desse gasto.

No entanto, antes que esse conjunto de medidas pudesse mostrar resultado, verificou-se o agravamento da crise nos países avançados, sobretudo na Europa.
Ainda que essa crise não tenha até agora se expressado em uma recessão – ao contrário de previsões catastrofistas –, são evidentes a letargia econômica e as incertezas determinadas pelas dificuldades econômicas e de articulação política nos países avançados.

Na Europa, frente aos sobressaltos espanhol, grego e italiano, aos riscos para a moeda única e na ausência de instrumentos regionais mais amplos, foram geradas inseguranças crescentes e uma expansão pífia (de apenas 0,2% no terceiro trimestre vis-à-vis o trimestre anterior e 1,4% relativamente ao ano anterior). Nos EUA, apesar das dificuldades políticas no Congresso e a proximidade das eleições, o crescimento do PIB no terceiro trimestre surpreendeu positivamente (2% relativamente ao trimestre anterior) e as previsões para 2011 chegam próximo a 3%.

Calotes de dívidas soberanas, falências bancárias e eventual saída de países da zona do euro certamente criariam maiores problemas. Mas dificilmente os europeus deixariam essa situação configurar-se, pois significaria o fim do sonho da moeda única e de uma Europa unida. No entanto, a continuidade da desregulação do setor financeiro e das agências de risco em um cenário de dificuldades políticas e econômicas dos países avançados e de políticas conservadoras por eles adotadas no enfrentamento da crise aponta para a persistência das incertezas, em meio a um período longo de baixo crescimento, contrariamente ao dinamismo dos últimos vinte anos.

Essa crise e seus desdobramentos, se bem tenha tido efeitos evidentes sobre a economia brasileira, acabou por fortalecer uma nova abordagem da questão dos juros e de defesa da produção nacional (que levou ao IPI para automóveis, por exemplo). A menor pressão dos preços das commodities, da valorização da moeda nacional e o maior arrefecimento da economia (em um ambiente macroeconômico nacional sólido) favoreceram a que o governo e o Banco Central acelerassem a decisão de redução dos juros básicos da economia e pudessem afastar – pelo menos temporariamente – medidas  mais duras de combate à “guerra cambial”.

E o ano de 2012?

Contrariamente às previsões catastrofistas de analistas, economistas midiáticos e da oposição demo-tucana, 2012 poderá dar continuidade à solidez macroeconômica brasileira e apresentar um desempenho bastante positivo, apesar da crise internacional.

A inflação está em evidente queda. O IPCA ficou no limite superior da meta inflacionária em 2011 e, não fossem os choques externos, muito possivelmente poderia estar próximo do centro da meta.

Com o afrouxamento recente das medidas macroprudenciais e com o estímulo ao crédito, a taxa de expansão da economia (que recuou no terceiro trimestre) poderá alcançar em 2011 níveis mais que razoáveis vis-à-vis as condições mundiais (cerca de 3% de crescimento do PIB), com preservação dos baixos níveis de desemprego e continuidade do processo de redução da desigualdade. Em 2012, poderá ser um ponto percentual a mais, situando-se entre 3% e 4%.

A dívida pública bruta está estável e a líquida é decrescente, enquanto o resultado primário tornou-se positivo. O ano de 2011 terminou com reservas internacionais 22% maiores e iniciamos 2012 captando recursos com a menor taxa de juros.

Já o índice de Gini (que apreende a desigualdade), o número de pessoas e famílias pobres e as taxas de desemprego são, ao final de 2011 e neste início de 2012, os menores da história recente.

Os juros continuam cadentes, podendo alcançar taxa nominal de um dígito no primeiro quadrimestre de 2012 e permitir que proximamente o Brasil abandone o posto de país com a mais elevada taxa de juros.

Mas em 2012 o Brasil precisará permanecer atento à instabilidade do cenário internacional. Se bem as economias dos países desenvolvidos não exibam uma recessão pronunciada, o cenário mundial continuará por muito tempo marcado por incertezas, reflexos negativos do baixo crescimento de países desenvolvidos sobre o comércio mundial, instabilidade dos fluxos de capitais e elevada competitividade dos produtos chineses. Esse processo apresenta uma evidente letargia econômica em meio ao lento declínio da hegemonia norte-americana, à ascensão gradual de novos países como a China e à necessária superação do marco criado em Bretton Woods, com a busca de novos instrumentos de governança mundiais.

Por outro lado, o Brasil precisará, junto com o esforço de elevação da produtividade das suas exportações, intensificar o processo iniciado nos últimos anos de valorização e desenvolvimento do mercado interno, cuja expansão e dinamismo foram indispensáveis ao enfrentamento da crise mundial.

Problemas maiores e de mais longo prazo – muitos deles resultantes de décadas de baixo crescimento e de descaso para com o desenvolvimento nacional, como nas décadas de 1980 e 1990 – continuam presentes e exigirão atenção redobrada e políticas inovadoras, quando não ousadas, visando à rápida eliminação de gargalos produtivos e a promoção do desenvolvimento nacional.

Nesse sentido, a preservação e o avanço da estrutura industrial e da elevação do investimento são desafios maiores. A indústria sofreu nos últimos anos com uma baixa intensidade no uso de políticas para o setor e com os efeitos da “guerra cambial” e do dólar barato. Cresceu apenas 2,9%, menos que o PIB (4,4%), no período 2004-2010, e apresentou elevação de seu coeficiente importado. A taxa de investimento aumentou, mas ainda é baixa (menos de 19%) relativamente às necessidades de crescimento econômico (cerca de 22%), e tem reduzida participação do setor privado nas inversões de longo prazo, que continuam dependendo fortemente do BNDES.

Dessa forma, em paralelo à defesa da produção nacional de maior valor agregado, continua na ordem do dia a busca de novos instrumentos financeiros capazes de incorporar as diferentes fontes de recursos públicas e privadas, nacionais e internacionais para substituir a participação ainda dominante do BNDES no financiamento de longo prazo.

Se consideradas demandas extras como o pré-sal, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, sobressaem os gargalos na infraestrutura, na saúde, na educação, na ciência e tecnologia, na habitação de interesse social e nas múltiplas questões urbanas (viárias, de saneamento etc.). Não menos importantes, há as novas questões decorrentes da acelerada transição demográfica por que passa o país e aquelas do meio ambiente, que exigem medidas próprias e a consideração de diferentes variáveis que assegurem um desenvolvimento sustentável de longo prazo ao país.

Esse conjunto de aspectos mostra o quanto o Brasil de hoje se distanciou do Brasil dos anos 1980 e 1990. Naquelas décadas, nossos problemas pareciam insuperáveis (e muitos o eram, de fato, dadas as políticas neoliberais então adotadas) e (talvez por isso mesmo) eram sistematicamente ignorados. Os desafios atuais – em sua maioria – indicam uma outra história e são amplamente reconhecidos como passíveis de ser enfrentados com outras políticas.

Apesar das incertezas que assolam os países desenvolvidos desde 2008, o Brasil tem sabido enfrentá-las de modo criativo e – ao contrário de previsões catastrofistas – 2012 poderá dar continuidade a esse processo recente e inusitado de desenvolvimento, com crescimento econômico sustentado e redução das desigualdades.

Jorge Mattoso é economista e consultor, com doutorado pela Unicamp e pós-doutorado pelo IRES (França). Foi professor do Instituto de Economia da Unicamp (1985-2009), professor da Cátedra Celso Furtado da Universidad Complutense de Madrid (Espanha 2010), secretário de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo (2001-2003), de Finanças de São Bernardo do Campo (2009) e presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2006).

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