A Política, como atividade exercida num ambiente de regime democrático, é a arte de construir consensos majoritários e avançar em direção a objetivos colimados, com apoio nesses consensos e respeito aos interesses contrariados nesse caminhamento. É precisamente o que o PT vem fazendo desde que assumiu o poder no Brasil em 2002. Se a velocidade do avanço não foi tão grande como muitos desejavam e esperavam, quem pode afirmar que poderia ter sido maior?

É o que Tariq Ali afirma na sua entrevista recente de tom crítico, dada ao Sul21 de Porto Alegre, fazendo coro com o discurso do PSOL e de vários descontentes dentro do próprio PT. Eu acho um equívoco. Acho e opino com fundamento na minha sensibilidade, e também na minha experiência, não em nenhuma ciência que permita afirmações categóricas neste campo. Política não é ciência exata, é antes arte e sensibilidade. Se Lula houvesse tentado avançar mais depressa e tivesse sido derrubado, como foram Jango e Allende, aí, sim, se poderia fazer uma afirmação segura com base na realidade: teria havido um erro de avaliação das condições políticas. A constatação de erro no sentido contrário, de que havia condições que não foram aproveitadas, havia uma grande popularidade de Lula que foi desperdiçada, esta afirmação não pode ser feita, é um erro de princípio, de uma superavaliação das capacidades humanas; só Deus pode conhecer o futuro do pretérito.

Se não foi uma afirmação do grande escritor, como é provável; se foi uma mera opinião, como a minha, eu aceito, mas invoco para minha sustentação em contrário um conhecimento mais vivido e mais próximo da realidade e da história recente do Brasil: a observação da capacidade do capital para sabotar a economia, mostrada em clara ameaça entre a eleição e a posse de Lula no fim de 2002; o enorme preconceito da mídia e da classe média contra o torneiro mecânico de pouca cultura; o medo neurótico das posições mais radicais do PT no passado. Invoco ainda o conhecimento detalhado da experiência reformista mal sucedida de João Goulart; invoco tudo isso para sustentar que Lula e o PT realizaram o avanço político máximo, ou muito próximo deste máximo para evitar o risco da derrocada.

Deve-se considerar, ademais, a ética do respeito aos compromissos: Lula ganhou a eleição não com a promessa de fazer a revolução mas de acatar as regras do capitalismo e avançar dentro delas em direção às metas sociais. E, dentro desses limites de compromisso, realizou, sim, ao contrário do que diz Tariq Ali, realizou mudanças estruturais importantes na distribuição de renda entre os brasileiros, na distribuição regional da renda no País, na distribuição estrutural da formação da renda nacional, com a elevação da participação dos salários. Rejeitou frontalmente o neoliberalismo, bem antes da eclosão da crise financeira mundial, reforçou bem a base de autonomia nacional e implantou uma forma mais democrática de governo, instituindo várias instâncias de participação da sociedade nas decisões de políticas públicas. Reformas profundamente marcantes, de grande significado político e histórico

Tariq Ali, nosso escritor e observador político renomado e respeitado, disse, mais, que Lula teve medo das mudanças e transformou o PT numa máquina de ganhar eleições. Vale perguntar: como avançar nessas mudanças sociais dentro da democracia, realizar na prática essas transformações tão importantes dentro do respeito à regras democráticas, senão vencendo as eleições? Ficar sempre na oposição, desprezando técnicas, estratégias e táticas eleitorais, repetindo infinitamente reivindicações revolucionárias inviáveis no momento, clamando por rupturas profundas, como ele mesmo fez, ao estilo do que era antes o PT e hoje o PSOL, é fácil, é muito mais simples e fácil do que fazer a política realista para ganhar as eleições, construir consensos e caminhar mais vagarosamente, e mais seguramente, dentro da realidade democrática, em direção ao socialismo.

Não se deve menosprezar a posição mais esquerdista de rejeitar qualquer aliança com o centro conservador e persistir no clamor revolucionário. Esta pressão permanente pelo fazer mais é muito importante para garantir o fazer máximo nos limites do possível. Tariq Ali é uma figura humana mundial altamente respeitável, como o são nossos companheiros brasileiros de anos passados, hoje no PSOL. São importantes, indispensáveis mesmo, no clamar e reclamar, não no fazer; na oposição, não no poder.

O socialismo virá, tenho certeza, quando a maioria o quiser; vai demorar, não sei se isso se dará ainda neste século. Pretender romper com as estruturas capitalistas e implantá-lo sem este apoio hegemônico explícito, pelo oportunismo de uma minoria ativa e esclarecida que chegou ao poder sem este voto socialista manifesto é, ao mesmo tempo, antiético e extremamente perigoso.

A pertinácia das convicções socialistas não esmorecerá com a opção muito mais demorada, mas sólida e garantida, do caminho democrático da construção do consenso socialista. Eu tenho certeza disso. E acho que o PT está nesta linha.

*Roberto Saturnino Braga é ex-senador pelo PT/RJ, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.