Nas condições brasileiras, em que a esquerda apenas galgou uma parcela do Estado, parcela que foi em grande parte desmontada nos 12 anos de governos neoliberais, a implantação de reformas de cunho democrático e popular dificilmente poderá ser de curto prazo, mesmo que o governo fosse totalmente de esquerda.

Tomemos como exemplo a política de planejamento. Todo o sistema de planejamento estatal foi quebrado durante os anos neoliberais. Até em certos setores da esquerda vingou a suposição de que o planejamento estatal estaria superado pela história. E mesmo correntes favoráveis ao planejamento estatal ainda resistem à idéia de que o Estado deve se encarregar, além da elaboração das linhas gerais do desenvolvimento econômico e social, da formatação de projetos executivos.

O governo Lula teve o mérito de resgatar a política de planejamento estatal como algo inerente à função governamental. No entanto, uma coisa foi firmar tal política como uma necessidade. Outra foi transformá-la em ações práticas de governo, superando as resistências existentes dentro e fora da máquina estatal, e recriando um sistema de planejamento capaz de atender às necessidades do país.

Embora seja difícil avaliar se esse sistema já está cem por cento montado e em pleno funcionamento, é possível verificar que ele existe e já produz resultados, a exemplo do PAC e de outras linhas de ação postas em prática pelo governo. Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que as demandas nacionais são colossais e que um dos pontos fracos desse planejamento recuperado é a lentidão na elaboração do que se pode chamar de projetos estruturantes.

Portanto, para o governo Dilma não bastará a consolidação da política ou do sistema de planejamento, resgatado pelo governo Lula. É preciso transformá-lo, além disso, numa política ou num sistema de elaboração de projetos estruturantes. Isto é, projetos que influenciem positivamente o desenvolvimento do conjunto das forças produtivas, a exemplo da educação e dos setores energético, de transportes, telecomunicações, indústrias básicas, e ciências e tecnologias.

É verdade que, se compararmos a situação atual desses setores com a situação existente durante o período neoliberal, em que todos eles estavam em processo de sucateamento ou quebradeira, deve-se admitir que houve uma melhora substancial. Por outro lado, se compararmos tal melhoria com as necessidades da sociedade brasileira e com os desafios da globalização, teremos que reconhecer a existência de um vasto caminho a percorrer. É este vasto caminho que o planejamento estatal precisa, com urgência, levantar em todos os seus aspectos, definir as maneiras de trilhá-lo e elaborar os projetos executivos correspondentes.

Mas não pode fazer tudo isso do mesmo modo que o regime militar. Há gente que, no resgate desse importante instrumento estatal, passou a elogiar o regime militar por sua capacidade de planejamento. Porém, por um lado, se havia a noção da importância do planejamento, por outro lado tal planejamento esteve a serviço apenas das demandas das burguesias internacionais e nacionais, atropelando muitas das demandas nacionais, ignorando totalmente as aspirações populares e recusando-se a qualquer tipo de negociação democrática.

O planejamento de governos democráticos e populares não pode seguir o modelo que tornou famosos os tecnocratas nacionais. Precisa ter em consideração, em primeiro lugar, os interesses da nação, independentemente de tais interesses coincidirem ou não com os interesses das burguesias internacionais e nacionais. Se coincidirem, ótimo, porque podem contar com o concurso delas, mesmo levando em conta seu interesse maior em obter altos lucros. Mas, se não coincidirem, como é o caso da expansão e do pleno aproveitamento da malha ferroviária, ou da prioridade à construção de moradias populares, será preciso executá-los à revelia dos interesses de uma ou de algumas parcelas do empresariado.

O planejamento, incluindo os projetos executivos resultantes, também precisa ser democraticamente debatido com os partidos, organizações sociais e com a grande massa do povo brasileiro, especialmente com os setores populares afetados por ele. É fundamental obter um consenso mínimo a respeito, de modo a agilizar o processo de execução e evitar que tais projetos se transformem em cavalos de batalha da oposição contra o governo e contra a esquerda. O que aconteceu com o projeto de interligação da bacia do São Francisco com outras bacias hídricas do Nordeste e, agora, está ocorrendo com o projeto Belo Monte, deveria ser evitado.

Nesse sentido, o governo não pode descurar na escolha dos técnicos que devem discutir com os diversos setores da sociedade. Se forem tecnocratas não reciclados, incapazes de traduzir termos técnicos em palavras acessíveis aos setores sociais com os quais está realizando a discussão, e também surdos aos argumentos populares, certamente correm o risco de perder o debate, por melhor que seja o projeto.

Em resumo, o planejamento do governo democrático e popular precisa ser eficaz, ágil e competente e, ao mesmo tempo, ter forte conteúdo nacional, democrático e popular. O governo Dilma enfrenta o desafio não apenas de consolidar o resgate feito pelo governo Lula nesses terreno, mas também de injetar no planejamento estatal brasileiro um conteúdo que seja o oposto do planejamento do período ditatorial.

*Wladimir Pomar é escritor e consultor