A raiva homofóbica
Eu fico a me perguntar de onde vem tanta raiva homofóbica, ódio aos homossexuais, tanta intolerância, tanta aversão aos que pretensamente escapam aos padrões da dita ou mal dita normalidade. Não sei responder. Por incapacidade. Será que recorrer a Freud ajudaria, explicaria? Talvez. E se algumas correntes dedicadas a essa cruzada, de matriz medieval, fossem a Freud talvez se surpreendessem com as descobertas, se quisessem descobrir o fundo de tudo isso.
Esse tsunami conservador, afora o que vem de mentes castrenses situadas ainda nos tempos da ditadura, é proveniente de setores considerados cristãos, e nem adianta nominar todos eles, porque conhecidos. Constituem um amplo espectro, a juntar-se numa frente destinada a combater os homossexuais e a incentivar a homofobia, por mais que alguns jurem não fazê-lo. Estariam apenas salvando a família brasileira de quaisquer anomalias, como pretendem rotular as orientações sexuais diversas das pessoas.
Talvez, quem sabe, devêssemos pensar historicamente. Não seria razoável imaginar a necessidade de voltarmos ao menos ao Iluminismo? Não seria o caso de avocarmos ao menos os princípios da Revolução Francesa? Não seria o caso de pensarmos na afirmação do Estado laico no Brasil? De afirmar o princípio de que o Estado laico não se mete na vida privada, que respeita as escolhas de cada um, desde que tais escolhas não prejudiquem a comunidade? Seria pedir demais depois de passados bem mais de dois séculos de uma revolução que pretendeu sepultar a idéia de supremacia religiosa sobre o Estado? Seria pedir demais depois que o medievo trevoso deixou de amedrontar o mundo?
Nesses dias recentes, foram várias as iniciativas que agrediram a liberdade das pessoas. Não exagerei quando falei em cruzada. Os estandartes de diversas cores circularam por várias partes do País demonizando todos os que defendessem o movimento LGBT, a decisão do STF estendendo direitos aos casais homossexuais, o projeto que criminaliza a homofobia e os que pretendessem que houvesse educação, inclusive visando os cuidados com a saúde, para os que tivessem orientação sexual que não seguissem o padrão homem/mulher simplesmente.
Houve protestos na Câmara, e esses protestos tiveram, em alguns casos, a marca da chantagem, sempre liderados por grupos religiosos de variada extração, todos, como havia dito, de matriz cristã e envolvendo parlamentares de várias siglas partidárias. Não sei se recolhem inspiração da Inquisição, de triste memória, ou de Constantino e de sua mãe, Helena, esta uma espécie de precursora da intolerância religiosa. Eu não imaginava mais ver esse tipo de ação político-religiosa, pressões de credos religiosos pretendendo constranger o Estado a se curvar diante de suas crenças e convicções.
Para que possa fazer respeitar o princípio constitucional da liberdade de crença, para que possa garantir a liberdade de expressão de todos, para que possa assegurar o direito constitucional de expressão das diferenças de toda e qualquer natureza, o Estado não pode dobrar-se a quaisquer pressões emanadas do mundo religioso, venha de onde vier, dessa ou daquela matriz, sob pena de, ao fazê-lo, abdicar de seus conteúdos mais nobres.
Embora não devesse me arriscar, já o faço: não creio seja do bom cristianismo esse tipo de procedimento, sobretudo o de demonizar quem quer que seja por sua orientação sexual.
Ao menos, e valho-me de meus parcos conhecimentos nesse terreno, não era da natureza do próprio Cristo essa demonização ou a exclusão de quem quer que seja. Se nos inspiramos no Novo Testamento, nós veremos um Cristo próximo de miseráveis, de prostitutas, de pecadores, clamando contra os fariseus, criticando os sepulcros caiados.
Talvez, aí sim, os ardorosos cruzados ainda estejam no tempo do Velho Testamento, daquele Deus cruel e vingativo que emerge dele. Mas, isso é da religião, da interpretação religiosa, que não me compete, por insuficiência. A mim me basta que o Estado continue laico, que se dê a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. É pouco: voltar à Revolução Francesa e a seus princípios fundadores.
*Emiliano José é jornalista, escritor, deputado federal (PT/Bahia). É membro do Conselho de Redação da revista Teoria e Debate.
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