A vida urbana, o Código Florestal e a soberania nacional
A maioria dos brasileiros que vivem nas cidades já se habituou ao cumprimento das regras de ordenamento territorial. As rotinas de obras civis são tratadas nas Leis de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. O cidadão, quando vai construir, precisa se enquadrar ao limite permitido de uso do terreno, a taxa de permeabilização do solo para o escoamento das águas pluviais, altura máxima da edificação, se é permitido o uso comercial na via etc. Em algumas cidades, construções maiores precisam inclusive da apresentação de um estudo e relatório de impacto ambiental, que deve apontar os impactos na infraestrutura da região, como o aumento na demanda por saúde, educação, transporte, saneamento e outros serviços de natureza pública que terão de ser equacionados.
Tais limites são definidos com vistas a garantir o desenvolvimento organizado das cidades. Quem não segue as regras é punido com multas, demolições e ainda não consegue o Habite-se junto ao governo local, que é o certificado de regularidade do imóvel. Sua falta impede que o proprietário possa vendê-lo por meio do sistema financeiro de habitação, que não financia imóveis irregulares.
Assim como o meio urbano, o meio rural também tem regras a serem cumpridas e o principal instrumento de regulação é o Código Florestal (Lei 4771/65), que está em revisão pelo Congresso Nacional. As principais alterações propostas tratam das áreas de preservação permanente(APP), área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas) e de Reserva Legal ( área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas;) , as margens dos rios que devem estar preservadas em, no mínimo, 30 metros, as encostas e topos de morro que são alimentadores naturais dos lençóis freáticos. A reserva legal é outro tema polemico. Hoje as propriedades na Amazônia devem ter 80% de reserva legal, 35% por cento, na propriedade situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, e 20% para as demais regiões do Brasil ( Artigo 16) .
A proposta aprovada na Câmara dos Deputados – e que será submetida ao Senado Federal – altera radicalmente vários destes dispositivos. Começa com a área preservada das margens de rios, que reduz de 30 para 15 metros. Além disso, propõem anistiar todos desmatadores que infringiram a legislação até 2008. Segue com a proposta de redução da reserva legal a zero em propriedades que possuirem até quatro módulos rurais. Para entender melhor: os módulos são definidos por região e, no caso da Amazônia, cada módulo tem 100 hectares. Ou seja, qualquer propriedade de até 400 hectares estaria isenta de manter a reserva legal. Considerando que cada hectare tem 10.000 metros quadrados, estamos falando em 4.000.000 (quatro milhões) de metros quadrados por propriedade.
Os proprietários dessas terras quando compraram – e se de fato compraram – sabiam das regras de uso definidos pelo Código Florestal. Na prática, a alteração aprovada na Câmara dos Deputados permite um aumento de 80% no uso destas propriedades na amazônia, como sabemos a esta região representa 60% do territorio brasileiro, neste caso em números absolutos, apenas na região amazônica, estamos falando em 48% do nosso territorio que estará sendo liberado para serem alterados em sua composição natural. Nos demais biomas segue a proporção por reserva legal definida na atual legislação. Caso seja aprovado o texto como está, o Estado brasileiro perderá um importante instrumento de controle dos nossos recursos naturais, que é fundamental para a manutenção da qualidade de vida de todos os brasileiros e até mesmo do nosso planeta.
O perfil do campo brasileiro mudou bastante nos últimos anos. Vivemos um processo de modernização agrícola bastante intenso. Empresas se estruturaram fortemente, a produção de commodities passou a ter um grande peso na nossa balança comercial, os bancos públicos investem massivamente neste segmento, muitos pequenos e médios agricultores estão alugando suas terras para empresas multinacionais. Vivemos um processo ostensivo de ocupação territorial.
O antigo latifúndio improdutivo agora está dando lugar aos interesses da agroindústria multinacional.
O Brasil tem um histórico de exportador de materiais primários de baixo valor agregado em vários segmentos da nossa indústria. E este mesmo modelo esta se reproduzindo no setor agrícola.
Nossos produtos saem do Brasil na forma de commodities para serem beneficiados no exterior e, além de levarem nossos recursos naturais, levam também os empregos que poderiam estar sendo gerados aqui mesmo com o beneficiamento desses produtos.
O texto do Código Florestal aprovado na Câmara dos Deputados coloca em debate também a soberania territorial brasileira, considero que as regras do direito à propriedade devem estar de acordo com os interesses da nação, precisamos sim estar atentos às legitimas demandas dos nossos agricultores familiares que são responsáveis pela maior parte dos alimentos que estão à mesa da nossa população, a legislação precisa tratar este segmento de forma diferenciada, o que não me parece compreensível é que se trate os diferentes de forma igual, misturar o agronegócio com os pequenos produtores é como colocar a raposa para tomar conta do galinheiro, o texto como esta condicionará o estado brasileiro a fiscalizar a aplicação de uma legislação que não atente para os interesses estratégicos de seu povo, neste momento, torna-se urgente que a sociedade brasileira se mobilize para que o Senado Federal possa corrigir estas imperfeições.
Vamos à luta!
*Geraldo Vitor de Abreu é membro da Secretaria Nacional de Meio Ambiente do PT