São Paulo, 18/03/11 (MJ) – Diante de um auditório lotado e tomado por grande emoção, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu, em seu discurso na 48ª Caravana da Anistia, a democracia, o Estado de Direito e o resgate do passado. No ato, realizado nesta sexta-feira no Teatro da Universidade da PUC-SP, foram julgados os processos de anistia de quatro ex-perseguidos políticos relacionados à área educacional. São eles: Emílio Borsari Assirati, Maria Aparecida Antunes Horta, Denise Maria de Moraes Santana Fon e Elza Ferreira Lobo.

Na primeira Caravana da Anistia sob sua gestão, Cardozo ressaltou a importância do trabalho da Comissão de Anistia, que há anos julga os pedidos de reparação de anistia política no país. “Eu tenho conhecimento da dificuldade que tem sido o trabalho da Comissão de Anistia, especialmente nestes dias em que faltam estrutura e assessoramento necessários para esta atividade. Mas podem ter absoluta certeza que o trabalho da Comissão é uma prioridade para o Ministério da Justiça e que, portanto, vocês terão a estrutura necessária para regular o funcionamento da Comissão”, frisou.

Professor licenciado da PUC-SP, o ministro lembrou do período em que lecionava na universidade e da necessidade de se falar sobre o passado e sobre a história do país. “Lembro-me da noite em que a Universidade Católica foi invadida e, quero confessar, eu não estava no ato e vou lhes dizer a razão: eu tinha medo. Era o meu primeiro ano de faculdade. Eu tinha uma visão da necessidade de combater a ditadura, de lutar pela democracia, mas eu tinha medo de participar da vida política. Mas ao chegar aqui e ver o Exército cercando a universidade, vi as salas de aulas destruídas e meus amigos feridos, vi a biblioteca com seus livros apreendidos. Há momentos na vida, embora todos nós tenhamos direito de ter medo, que nós não temos o direito de não vencê-lo, de não derrotá-lo. Foi naquele momento que eu disse que não teria mais coragem de me olhar no espelho se eu não tomasse uma postura. E foi ali que eu me engajei no movimento estudantil. Foi ali que eu comecei a viver a vida acadêmica na dimensão política. A partir daí eu me engajei na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita”, disse, fazendo alusão à presidência do Centro Acadêmico 22 de Agosto e a uma placa inaugurada por ele em nome de uma estudante falecida. Pintada por alunos da faculdade de Direito, a placa traz a inscrição: “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita”.

Enfático, Cardozo afirmou que o Estado brasileiro precisa ter memória. “O Estado brasileiro violou direitos. O Estado brasileiro atingiu pessoas. O Estado brasileiro torturou sob a mão de algumas pessoas que abusaram do seu poder. Diante desta realidade, nós não podemos apagar o passado. Ao contrário, nós temos que deixá-lo bem vivo para que no presente nós nos lembremos de que fatos como este não podem mais se repetir”, disse o ministro.

Por fim, José Eduardo Cardozo afirmou que o momento vivido hoje pelo Brasil é muito diferente dos tempos da ditadura militar. “Hoje nós temos uma mulher na Presidência da República que lutou contra a ditadura, que foi presa, foi perseguida. Nós vivemos sob a égide de um Estado de Direito e hoje o ministro da Justiça pode chegar publicamente e dizer que o Estado tem que reparar o passado e não vai dizer mais ‘nada a declarar’”, disse.

Para o ministro, a Comissão de Anistia cumpre um papel histórico, democrático, necessário e fundamental, ao resgatar o passado. “Quando se cometem erros, as pessoas que têm dignidade precisam pedir perdão e têm que reparar os erros. O nosso papel na Comissão de Anistia é fazer apurações equilibradas, justas e sem excessos, mas cumprindo a nossa Constituição. Temos que pagar as indenizações para aqueles que tiveram suas vidas violentadas. Temos que pedir perdão, em nome do Estado brasileiro, aos torturados, aos violentados e aqueles que tiveram suas vidas destroçadas. Temos que erguer o Memorial da Anistia. Não estamos fazendo nenhuma benesse, estamos, sim, cumprindo o nosso dever”, disse.

No fim da tarde, o ministro inaugurou a exposição “Sala Escura da Tortura”, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. A obra é uma iniciativa crítica e de denúncia elaborada na década de 1970, composta por seis grandes painéis gráficos ilustrando práticas de tortura empregadas no Brasil durante a ditadura. Concebida a partir dos relatos de Frei Tito durante seu exílio na França, a obra foi exposta pela primeira vez no Museu de Arte Moderna de Paris, em 1977, como forma de dar visibilidade aos crimes contra a humanidade que vinham sendo praticados pelas ditaduras da América do Sul.