Nada mudou. É essa a primeira impressão que se tem ao caminhar novamente pelas ruas de Porto Príncipe, capital do Haiti, um ano após o devastador terremoto de 7,3 graus na escala Richter de 12 de janeiro de 2010, que deixou um triste saldo de mais de 200 mil mortos e centenas de milhares de desabrigados. O Haiti, um país que já apresentava problemáticos índices sociais e políticos anteriores à tragédia natural, continua em estado de crise.   

Nada mudou. É essa a primeira impressão que se tem ao caminhar novamente pelas ruas de Porto Príncipe, capital do Haiti, um ano após o devastador terremoto de 7,3 graus na escala Richter de 12 de janeiro de 2010, que deixou um triste saldo de mais de 200 mil mortos e centenas de milhares de desabrigados. O Haiti, um país que já apresentava problemáticos índices sociais e políticos anteriores à tragédia natural, continua em estado de crise.   

Prova da inércia percebida na reconstrução está na quantidade de entulho que permanece espalhada pelas ruas do país. De acordo com levantamento feito pela ONG britânica Oxfam, somente 5% dos escombros foram retirados no Haiti. O documento destacou que quase um milhão de pessoas ainda vive em tendas ou nos escombros da cidade; e que estas pessoas ainda não sabem quando podem voltar pra casa.

Como Opera Mundi pode comprovar, somente os escombros que antes ocupavam as principais vias de Porto Príncipe foram retirados pelas autoridades, porém, em algumas zonas da cidade, ainda há edifícios derrubados e áreas que não foram limpas. O palácio presidencial continua destruído, na mesma posição inclinada de um ano atrás, quando a violência do tremor o atingiu.

Milhões de dólares foram direcionados à reconstrução e centenas de organizações não-governamentais, instituições, governos, órgãos supranacionais intervieram no país. No entanto, a comunidade internacional forneceu apenas 42% dos dois bilhões de dólares prometidos para a reconstrução do país caribenho, conforme relatou a Oxfam.

Mesmo assim, quando se chega a Porto Príncipe e se circula pela cidade, não fica claro para onde foi todo o dinheiro. Pelas avenidas principais da capital, abundam os acampamentos de desabrigados, onde milhares de pessoas começaram a viver como se estivessem em suas casas desde os dias que se seguiram ao terremoto, em condições higiênico-sanitárias muito precárias e de promiscuidade extrema.   

A falta de progresso na reconstrução do Haiti é "uma combinação entre a indecisão paralisante do governo, a busca comum dos países ricos por suas próprias prioridades e a falta de energia da Comissão Provisória para a Reconstrução no Haiti, criada por decreto presidencial em 21 de abril de 2010, três meses após o terremoto que atingiu Porto Príncipe e outras cidades próximas”, segundo a ONG britânica. Esta comissão é responsável por gerenciar 10 bilhões de dólares da ajuda prometida ao país. "Tem sido um ano de indecisão e isso deixou a recuperação do Haiti parada", relatou a Oxfam.  

Insatisfação

Com a demora, caminha junto a crescente insatisfação popular. Em 1º de janeiro, durante as comemorações dos 207 anos de independência da França, a capital haitiana virou cenário de protestos populares. Barricadas foram erguidas e pneus queimados em manifestações violentas contra um processo eleitoral iniciado em 28 de novembro que ainda não garantiu um presidente legítimo para o país. Nota-se a forte presença militar da Minustah (Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti), em operação no país desde 2004. Os capacetes-azuis patrulham as ruas em caminhonetes blindadas e apoiam a Polícia Nacional haitiana no controle da população.   

Apesar disso, respira-se um clima muito tenso, entre o desespero e a expectativa. A impressão geral ante a complexa máquina de ajuda é um misto de desconfiança e necessidade, que em alguns momentos provoca sentimentos de desespero ou frustração.      

"Gostaríamos de ser capazes de nos recuperar com nossas forças", afirmou ao Opera Mundi Nadege Dalfan, funcionário do Ministério da Saúde que colabora com diversas ONGs. "Ao mesmo tempo, percebemos que isso não é viável e agradecemos a ajuda estrangeira. Mas isso faz com que qualquer um chegue ao Haiti e se apodere de um pedaço de nossa soberania. É inimaginável a quantidade de organizações, instituições, atores em campo com os quais temos de lidar. É muito difícil e, muitas vezes, as pessoas se desesperam. Por isso entendo as reações populares que de repente passam do limite e se tornam violentas."  

Por sua vez, 2010 foi um ano cheio de catástrofes no país, o que complicou muito o planejamento da reconstrução. Ao terremoto seguiu-se a temporada de furacões e, no final do ano, a epidemia de cólera deu o golpe final contra um povo devastado e cansado.       

Em seu discurso na comemoração da independência, o presidente René Préval deixou pela primeira vez de insistir em temas de orgulho nacional com toques populistas, como nos anos anteriores, e admitiu a situação difícil do país. "Estamos em uma encruzilhada muito perigosa", declarou na cidade de Gonaïves, no norte do país. "Além das catástrofes naturais, vivemos uma crise política resultante das eleições de 28 de novembro de 2010."      

Inicialmente previsto para acontecer no dia 16 de janeiro, o segundo turno das eleições ainda é incerto. A candidata presidencial Mirlande Manigat, a mais votada no primeiro turno, lembrou que o mandato de Préval termina em 7 de fevereiro: "Se as eleições não forem concluídas antes de 7 de fevereiro, o que vai acontecer?", questionou. Préval não descartou ficar no poder até 14 de maio, tal como indica uma questionada lei votada pelo Parlamento depois do terremoto de 12 de janeiro de 2010. "O presidente Préval fala pelos seus próprios interesses, que não são os interesses da nação", sustentou a candidata Social-Cristã em entrevista em 4 de janeiro.      

E os protestos dos últimos dias uniram o discurso político a um senso patriótico que, com dificuldade, se recupera entre a população haitiana. Um dos slogans dos manifestantes dizia: "Conquistamos nossa independência, portanto hoje somos livres para protestar e exigir eleições democráticas."  

Exploração

A total dependência em relação ao exterior se reflete nos produtos consumidos pela população. "A quase totalidade do que se encontra no Haiti, nas poucas lojas ou nas ruas, não é produzida aqui", explicou Anne Soléne, uma idosa que trabalha como vendedora em um mercado perto do palácio presidencial. "Quase tudo é importado de qualquer país. São os outros que ganham com nossa pobreza."  

As motos de procedência chinesa levam até quatro pessoas, as caixas de alimentos dos Estados Unidos, França ou América Latina enchem os supermercados e a sensação resultante da observação de Porto Príncipe é de uma inquietação profunda. Um ano depois do terremoto que destruiu centenas de milhares de vidas e uma cidade inteira, o povo haitiano não sabe para onde vai nem o que o aguarda, além da miséria e do desespero que nunca faltaram.   

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