A nova conjuntura e o governo Dilma
O mundo vive ainda sob o impacto da grande crise econômico-financeira iniciada em 2008. O discurso neoliberal foi devastado pela sua total impossibilidade de enfrentar a crise, sendo substituído por uma postura conservadora com aspectos neo-fascistas. São exemplos disto as expulsões de ciganos de paises europeus, o xenofobismo anti-imigração e o racismo presentes em muitos lugares. Tentativas liberais progressistas (para os padrões norte-americanos) coma a de OBAMA são atropeladas por este quadro internacional.
O mundo vive ainda sob o impacto da grande crise econômico-financeira iniciada em 2008. O discurso neoliberal foi devastado pela sua total impossibilidade de enfrentar a crise, sendo substituído por uma postura conservadora com aspectos neo-fascistas. São exemplos disto as expulsões de ciganos de paises europeus, o xenofobismo anti-imigração e o racismo presentes em muitos lugares. Tentativas liberais progressistas (para os padrões norte-americanos) coma a de OBAMA são atropeladas por este quadro internacional.
O Brasil atravessou, praticamente incólume, a grande crise econômica. Não por obra do acaso ou da sorte mas de um projeto nacional alicerçado em três pilares:
1- Soberania: protagonismo em todas as grandes questões internacionais;
2- Desenvolvimento com inclusão e distribuição de renda; milhões de brasileiros ascenderam socialmente ingressando na sociedade de consumo, milhares de funcionários públicos foram contratados, todas as categorias tiveram ganho real de salário, o salário mínimo foi sempre reajustado acima da inflação, e o setor estatal foi fortalecido.
3- Democracia: Consolidamos o mais longo período de Estado Democrático de Direito em nosso país, com respeito aos direitos civis e políticos e um postura republicana por parte do governo federal.
Com base nestes pilares do projeto do governo Lula, o Brasil não apenas afastou os efeitos da crise como entrou em uma fase de grande crescimento que logo o colocará entre as grandes potencias do planeta.
O processo eleitoral que elegeu Dilma Rousseff a presidência mostrou, entre outras coisas:
A) O enorme prestígio popular de Lula, que chega aos 83% de aprovação ao final do 2º mandato.
B) O deslocamento da oposição para a direita, em razão das transformações pós-crise mundial, com a derrocada política da chamada “social-democracia” no Brasil;
C) A inexistência de uma oposição de extrema esquerda, pois a mesma teve uma votação residual.
O “fenômeno” Marina não de sustenta, tendo sido produzido pelo discurso obscurantista e rebaixado de Serra, que não conseguiu atrair estes votos para si, mas os empurrou para Marina. As contradições e incoerências do partido verde e sua ambigüidade no 2º turno circunscreveram o “fenômeno” Marina ao episódio eleitoral de 2010.
Dilma venceu enfrentando a mais desqualificada campanha já desencadeada contra uma candidatura. Serra assumiu a demagogia, o preconceito e obscurantismo, em uma tentativa desesperada de vencer as eleições mesmo a custa de sua biografia. Vitoriosa Dilma, já no dia seguinte começa a tentativa de desqualificar sua eleição, atribuindo-a aos “nordestinos, pobres e analfabetos”. A análise do mapa eleitoral demonstra que mesmo sem o NE, Dilma venceria as eleições pois só foi derrotada no sul do país. Quanto aos pobres é obvio que seu instinto de classe e a existência de um governo preocupado com seu bem estar os levaria majoritariamente a votar contra um partido cujas políticas econômicas e sociais são bem conhecidas de todos. É o velho preconceito elitista de que o povo não sabe votar.
Dilma começa seu governo dispondo de um conjunto de condições favoráveis, como uma sólida maioria parlamentar. Além disto o país cresce em torno de 7% e a oposição tanto a direita como a esquerda encontra-se fragilizada. O prestígio externo do país, tanto por parte dos investidores como por parte da opinião pública nunca foi tão grande.
O desafio de Dilma é aprofundar e ampliar as políticas sociais implantadas pelo governo Lula e realizar as reformas ainda pendentes: urbana, agrária, político-partidária, eleitoral, previdenciária e tributária.
É indispensável também a adoção de políticas arrojadas de distribuição de renda e de riquezas, pois , apesar dos avanços ainda somos um dos países mais desiguais do planeta. Seria, entretanto, um equívoco julgar que apesar da fragilização partidária da oposição as forças conservadoras e reacionárias deste país não possuam grande força.
O verdadeiro partido conservador em nosso país atualmente é a grande imprensa. Ao longo da ditadura militar e no período imediatamente posterior, a chamada transição conservadora, se estabeleceu na mídia brasileira absoluta dominação de classe, responsável por uma tentativa de monopolização da opinião pública pelas elites conservadoras. São estes mesmos setores que esgrimem a liberdade de imprensa contra qualquer tentativa de quebrar este monopólio, estabelecer regras mínimas de civilidade democrática e ampliar o direito de emissão e de recepção de informações ao conjunto de população. Na verdade a liberdade formal de imprensa esculpida na legislação é completamente negada por uma dominação quase absoluta da mídia por grandes grupos econômicos que tentam vender os seus interesses de classe como se fosse a “opinião pública”.
Porta-vozes de um elitismo reacionário, os meios de comunicação nunca assimilaram o fato de um operário, nordestino ter chegado a presidência derrotando seus doutores, mesmo que este tivesse sempre uma postura respeitosa com estes veículos. Os menores problemas são sistematicamente potencializados, politizados e numa “dobradinha” repetidos nos programas eleitorais da oposição nas campanhas eleitorais.
Em uma descrição do embate político na Argentina, em tudo semelhante ao Brasil, numa demonstração de que este fenômeno foi construído em toda a América Latina à sombra das criminosas ditaduras militares das décadas de 60 e 70, o escritor argentino Feinman*, em artigo afirma “A direita não tem pensadores tem jornalistas audazes, agressivos. E a mentira ou a deformação pura e plena de toda notícia é sua metodologia”. Em outro trecho afirma: “Para isso deve formar os grupos, os monopólios. Deve apoderar-se do mercado de informação para que só a sua voz seja escutada. Para que só os jornalistas que lhe são fieis falem (…) a arma mais poderosa da supra pós-modernidade do séc. XXI reside no domínio maior possível dos meios de informação. Que já não informam. Que transmitem à população os interesses das empresas que formam o monopólio”. E quando algum governo tenta impor limites ao mesmo buscando democratizar a comunicação é acusado de tentar sufocar a liberdade de imprensa, na verdade, a liberdade dos monopólios.
No Brasil, além do bombardeio diário, contra o governo federal temos vivo na lembrança episódios como a construção do fenômeno Collor, a exploração ‘ad nausean’ do chamado mensalão, a imensa cobertura a CPIs que nunca resultaram em nada, mas em torno das quais destruíram reputações e influenciaram em resultados eleitorais.
Felizmente, a sabedoria popular e ferramentas como a internet dificultam as manobras das elites conservadoras. Apesar de ter contra si toda a grande mídia e os auto-intitulados “formadores de opinião”, Lula ostenta os maiores índices de popularidade já registrados por qualquer presidente. Isto faz aumentar a agressividade dos “analistas políticos”, como no episódio da quebra de sigilo de pessoas na receita federal. Um fato policial que não teve nenhuma utilização na campanha eleitoral, foi transformado num watergate tupiniquin, e mancheteado pelos principais veículos de comunicação durante um largo tempo, em uma evidente tentativa de influenciar nas eleições. Este monopólio de opinião abriu espaço para jornalistas medíocres elevados a condição de celebridades por aceitarem fazer o trabalho sujo e criou uma espécie de profissão e dos “ex-petistas” ou “anti-petistas” que apenas por esta condição conseguem espaços permanentes e privilegiados na mídia, alimentando um anti-petismo fascista.
Construíram um poder tal que qualquer tentativa de democratizar a informação é impedida através de uma avalanche de ataques de toda a ordem. Os poderes da república tem sido pautados pela grande mídia numa clara limitação de sua autonomia.
Os grandes monopólios da informação se transformaram em uma ameaça a democracia em nosso país, principalmente, porque o discurso da direita, desde a grande crise econômico-financeira de 2008, não é mais o neo-liberalismo mas sim o neo-fascismo. Isto se revela na perseguição aos imigrantes na Europa e EUA, nas expulsões de ciganos na França e no discurso atrasado, preconceituoso e falsamente religioso do candidato José Serra, no Brasil.
A construção de uma democracia sólida em nosso país passa pela democratização dos meios de comunicação. Não é uma tarefa fácil. Somente uma ampla mobilização dos movimentos sociais, dos partidos progressistas e um governo corajoso poderá fazê-lo.
A outra ameaça que não pode ser ignorada é a da conjuntura econômica internacional. A crise foi debelada mas suas causas objetivas não foram eliminadas e a sua volta, ainda mas devastadora ainda é uma possibilidade que não pode ser ignorada, pois teria reflexos em todo o mundo globalizados, inclusive no Brasil.
A gênese da grave crise econômico-financeira localize-se na crise financeira produzida pelo sistema bancário norte-americano, transformado numa grande pirâmide sem sustentação no sistema produtivo. Os papéis passam a ter valor em si próprios, sem relação com a produção de bens materiais, chegando a um nível de descontrole total na ilusão criada de que o mercado tinha soluções para todos os problemas. O fundamentalismo neo-liberal do governo Bush agravou este quadro. Como disse alguém o sistema financeiro envenenou suas próprias fontes de água. A crise financeira trouxe em seu rastro uma grave crise econômica com queda brutal da produção industrial, desemprego massivo sem que tenhamos a vista uma solução para os próximos 3,4 anos, pois poucas economias nacionais tem condições de atender com seus próprios recursos as necessidades de crédito, o que agravará a recessão. Este fato debilitará inúmeros estados nacionais e suas moedas.
As soluções para a crise são dificultadas pelas próprias potencias centrais (EUA e Europa), querendo não erradicar as causas estruturais da crise mas voltar a situação anterior a mesma, pelo domínio absoluto que ainda mantem nos organismos financeiros internacionais (FMI, Banco Mundial, etc).
O Brasil é um dos países mais preparados para enfrentar a crise, por suas reservas financeiras, pelo seu sistema bancário estatal poderoso, por sua auto-suficiência em petróleo e energia, onde também e estado apresenta-se forte. Faz-se necessária uma articulação internacional entre governos progressistas e entre movimentos sociais pelo fim de um padrão de desenvolvimento e de consumo e a construção de um novo. A humanidade e o planeta não suportam mais este padrão que gera crises e destrói a biodiversidade. É preciso reinventar o mundo das micro, das pequenas empresas e das cooperativas, estabelecendo um articulação entre elas.
A crise só pode ser superada com uma forte participação estatal, o qual precisar regular o mercado como antídoto contra as crises e ter participação robusta nos setores essenciais da economia.
De qualquer forma as perspectivas que se abrem com a vitória de Dilma Rousseff são extraordinárias. Pela primeira vez em nossa história teremos o desenvolvimento de um mesmo projeto por pelo menos, 12 anos talvez mais. Esta continuidade permite o desenvolvimento e o aprofundamento de políticas públicas com começo meio e fim. A frente do governo uma mulher provada na luta e com reconhecida capacidade política e de gestão. Tudo isto permite antevermos um belo futuro para nosso país de paz, prosperidade e democracia.
Eliezer Pacheco é secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação e integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.