O jornal O Estado de São Paulo publicou em 17 de novembro uma matéria sobre as revistas realizadas pela Polícia Militar paulista (PM). O título era: PM quer fechar ano com 11 milhões de revistas e faz campanha contra abusos.

O jornal O Estado de São Paulo publicou em 17 de novembro uma matéria sobre as revistas realizadas pela Polícia Militar paulista (PM). O título era: PM quer fechar ano com 11 milhões de revistas e faz campanha contra abusos.

O ponto central da matéria, assinada pelo jornalista Bruno Paes Manso, era o de que a revista policial passou a ser adotada como o principal instrumento de prevenção do crime no estado de São Paulo, e que os policiais militares estavam sendo formados para não cometer abusos durante essa operação. Além de treinar os policiais e padronizar a abordagem, a PM estava preocupada em “ensinar” o cidadão a se comportar durante uma revista, distribuindo panfletos sobre as atitudes a serem tomadas caso seja abordado pela polícia. Grosso modo, as recomendações são estas: aceitar a abordagem, manter a calma, ser educado e não desafiar a autoridade policial.

A revista policial constitui-se um dos temas mais controversos sobre a legalidade da ação policial. Em que circunstâncias pode ser aceita? O que estimula a revista – um flagrante, uma atitude suspeita? Quem é o principal alvo das revistas?  Ter respostas a estas perguntas ajuda a compreender porque as revistas, mais do que medidas preventivas, são abusos policiais.

Recentemente, uma pesquisa feita pela Universidade de Columbia, baseada em dados do Departamento de Polícia de Nova Iorque, revelou que as revistas policiais realizadas pela polícia nova-iorquina são, em sua maioria, injustificáveis e inconstitucionais e que se baseiam muito mais em critérios de raça (negros e latinos) do que em estatísticas criminais. 

Aqui, como lá, ao que tudo indica não são as estatísticas criminais que impulsionam as revistas. Segundo as próprias estimativas da PM, 1% do total de revistados teria problemas com a lei, entre os quais estão foragidos da justiça, “possíveis ladrões” e pessoas envolvidas com drogas (consumidores e fornecedores). Se for este o resultado para verificar o “sucesso” dessa ação, o que se pode concluir é que 99% das revistas policiais são injustificáveis, baseadas não em fatos concretos, mas sim em critérios subjetivos de suspeição. 

As revistas policiais refletem o modus operandi da PM que, sob a rubrica de suspeição, associa pobreza e criminalidade (a maioria delas é realizada em bairros populares) e que tem como alvo principal o jovem negro. Como bem afirmou o cientista político Paulo Sergio Pinheiro, ao comentar o artigo publicado no Estadão: “sob pretensão de prevenção o que está em curso é uma larga operação de discriminação racial e social e de aterrorização da população afro-descendente e pobre”.

É importante ressaltar que prevenção do crime e da violência se faz por meio de um conjunto de ações, em parceria com as diferentes instituições do poder público e com efetiva participação social na definição e avaliação dessas políticas. A polícia, sozinha, não faz prevenção. Portanto, as revistas policiais não podem ser consideradas como uma ação preventiva. Elas constituem antes de tudo um abuso policial que ganha cada vez mais espaço em nossa sociedade. Abuso entendido não apenas como truculência, mas como toda e qualquer violação de direitos.

As revistas podem até ser consideradas legítimas, mas não são legais.

*Adriana Loche é socióloga, foi secretária-executiva do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo (2006-2009). É pesquisadora na área de segurança pública e direitos humanos.