Há pouco mais de 50 anos, como jovem engenheiro do BNDE, recebi a incumbência de integrar o grupo de trabalho que iria analisar e dar o parecer técnico sobre o pedido de financiamento do Estaleiro Mauá, pertencente à Companhia Comércio e Navegação, do grande empresário brasileiro Paulo Ferraz. Estávamos ainda nos primeiros tempos do Governo Juscelino Kubitschek, ousadamente desenvolvimentista, que se propunha a fomentar a implantação de uma grande indústria naval no Rio, em paralelo com a automobilística que se fixava em São Paulo. O BNDE (não tinha ainda o S) era o principal instrumento do desenvolvimentismo brasileiro e Celso Furtado era um dos seus diretores, voltado para o financiamento da Sudene, criada por ele, e o desenvolvimento do Nordeste.

Essa indústria compreendia 5 grandes estaleiros (Ishikawagima no Caju, Verolme em Angra dos Reis, Mauá em Niterói, Caneco e Emaq na Ilha do Governador), um japonês, um holandês e três nacionais. O Mauá era o maior dos brasileiros e o BNDE, naquele tempo, só financiava empresas nacionais. Estrangeiras eram bem-vindas mas tinham de trazer o capital, para poderem levar o lucro.

Analisamos, aprovamos entusiasmados o projeto do Mauá e, dois anos depois, eu, convidado, assisti ao lançamento do primeiro navio de grande porte ali construído, uma espécie de inauguração do estaleiro, à qual compareceu o Presidente Juscelino. Inesquecível, para mim.

A indústria naval brasileira cresceu e chegou a ser a segunda maior do mundo, em tonelagem construída, no meio dos anos setenta, com quase 50.000 empregados. No fim dos oitenta, entretanto, aportou em nossa terra a calamidade do neoliberalismo. E milhares de empresas brasileiras, grandes, médias e pequenas, foram desnacionalizadas ou entraram em falência, lançando seus empregados no desemprego e na exclusão.

A frota mercante brasileira era também uma das maiores do mundo, com os graneleiros da Docenave (da Vale), petroleiros da Fronape (da Petrobrás), e os cargueiros do Lóide Brasileiro e de várias empresas privadas de navegação (Aliança, Netumar e outras). Pois essa frota praticamente desapareceu no vendaval dos privatistas: a Vale, privatizada, acabou com a Docenave; a Petrobrás adotou a política privatista do maior lucro para os acionistas, então majoritariamente em Nova York, e passou a afretar navios no exterior e não mais construí-los no País, assim como as plataformas, encomendadas pelo mundo a fora. O Lóide foi extinto e as empresas privadas, todas, foram vendidas a estrangeiros. Não se viu mais a bandeira nacional nos mares e nos portos do mundo, e a conta de fretes no balanço de pagamentos cresceu verticalmente. O resultado não podia ser outro que não a falência de toda aquela bela indústria naval, com cerca de 40 mil trabalhadores desempregados. O grande empresário brasileiro do setor, Paulo Ferraz, tragicamente, pôs fim à própria vida.

Felizmente o furacão neoliberal, depois de duas décadas de destruição, foi varrido na eleição de 2.002, e o Estado Brasileiro tornou então a se ocupar do desenvolvimento. A economia nacional começou a se recuperar: a Petrobrás voltou a ser uma empresa estatal e a cuidar do desenvolvimento do País além do lucro, orientando suas encomendas de navios e plataformas para a nossa indústria. Foi o que bastou para a ressurreição da construção naval brasileira.

E quinta-feira última, 50 anos depois daquela inauguração auspiciosa, recebi o convite, da Rosa, viúva de Celso, para, na qualidade de presidente do Conselho Consultivo do Centro Internacional Celso Furtado, assistir ao lançamento, naquele mesmo Estaleiro Mauá, do gigante petroleiro da Transpetro batizado com o nome deste grande brasileiro, que foi o mais completo dos nossos pensadores que se dedicaram ao estudo da nossa realidade.

O Presidente Lula estaria presente, tal a importância e o valor significativo do evento. Lamentavelmente, a tragédia das Alagoas exigiu sua presença lá naquele dia. Mas eu vi, às treze horas e vinte minutos, numa bela tarde de junho, o gigante de aço deslizar doce e lindamente para o mar, sob fanfarras e aplausos arrebatados de milhares de trabalhadores de macacão azul que gritavam, pulavam e batiam palmas de satisfação com o produto do seu trabalho. La Nave Va, majestosa, com o nome de Celso Furtado.

Que momento bonito, aquele! Para o Brasil, para o Rio, para aquela gente simples que aplaudia; que emoção para mim. Faltam palavras.