Um passo além da proposta
A aprovação do Estatuto da Igualdade Racial no cair da noite do dia 16 de junho de 2010, no Senado Federal, estabelece um novo marco institucional e político na vida nacional, e encerra uma etapa da luta pela promoção da igualdade racial na quadra legislativa. Ganhou-se o primeiro jogo, mas o campeonato continua.
A aprovação do Estatuto da Igualdade Racial no cair da noite do dia 16 de junho de 2010, no Senado Federal, estabelece um novo marco institucional e político na vida nacional, e encerra uma etapa da luta pela promoção da igualdade racial na quadra legislativa. Ganhou-se o primeiro jogo, mas o campeonato continua.
Segmentos retrógrados da mídia e a correlação de forças desfavorável no Congresso Nacional foram os principais e decisivos adversários da primeira à última hora. Enfrentou-se também a posição tímida de alguns parceiros e a visão mais cautelosa de setores importantes do movimento negro. Entre a timidez e a cautela, preferiu-se fazer o gol e vencer a partida na casa dos adversários. Os reticentes poderão reclamar que não foi um golaço, mas que valeu, valeu e foi um tento histórico.
Mas a preocupação não é com os reticentes. Eles fazem parte do processo. Suas razões são respeitáveis, e os esforços para conquistá-los continuam válidos e são fundamentais. A atenção redobrada, no momento, deve ser direcionada ao velho e sórdido estratagema racista: a vítima é convencida do fracasso mesmo antes de lutar.
A estratégia é simples e conhecida: perdida a batalha no Congresso é preciso convencer a opinião pública de que os resultados são nulos, de maneira a desmobilizar a sociedade e manter o acordo apenas no papel, sem nenhuma efetivação.
Por este motivo se apressaram em ressaltar o que não está no Estatuto e negar as conquistas; desqualificam a ação afirmativa, o gênero, e exaltam as cotas, a espécie; supervalorizam a parte e põem na lata do lixo o todo; evocam o movimento negro hoje, mas o desrespeitavam até ontem. Não é difícil entender a radical mudança. Imaginar o povo se apropriando do instrumento, a exigir efetividade das ações, deve causar arrepios e tremenda dor de cabeça em muitas senhoras e senhores bem situados.
O Estatuto é um documento perigoso. Ele amplia o poder do povo, e isso não é bom para o status quo. Por que os bem situados haveriam de informar que a política nacional de saúde integral da população negra agora está garantida em lei? Qual o interesse que eles teriam em dizer que agora o Poder Público é legalmente obrigado a adotar ações afirmativas na área da educação? Por que eles divulgariam que agora o Estado, além de reconhecer e titular as terras, tem que promover políticas públicas de garantia da melhoria da qualidade de vida das comunidades quilombolas? E o que dizer das Religiões de Matriz Africana e da capoeira tão perseguidas no passado, agora com direitos reconhecidos?
O diploma legal que deverá ser sancionado pelo presidente Lula é resultado da luta histórica do movimento negro brasileiro, da competência, compromisso e habilidade política do Senador da República, Paulo Paim, da posição decidida do governo federal, com destaque para o papel desempenhado pela SEPPIR, e da solidariedade e participação efetiva de muitos parceiros e aliados.
Agora é a hora de recuperar energias e construir novos passos, tarefa que exige o fortalecimento político e institucional da SEPPIR, ampliação de quadros e aliados no parlamento e em variados setores da sociedade, bem como a reconstrução da unidade estratégica e avançada do movimento negro.
O Brasil já produziu leis para inglês ver, aboliu a escravidão e proclamou a República sem mexer com os poderosos interesses, e agora se depara com o desafio de promover a igualdade e alterar as estruturas sociais, políticas e econômicas. O Estatuto dialoga com esta realidade, não está preso em nenhuma grade ideológica, e nem se presta ao imobilismo dos conformados.
O Estatuto é a carta possível tirada da quadra legislativa, mas é principalmente o instrumento político que deve ser intensamente utilizado para promover as mudanças sociais e econômicas para que o Brasil se orgulhe verdadeiramente de ser uma democracia racial.
* Alexandro Reis, subsecretário de Políticas para as Comunidades Tradicionais da SEPPIR – Subcom