No seminário Brasil 2003-2010: transformações, perspectivas e desafios para o próximo período, promovido em São Paulo pelas fundações Perseu Abramo e Jean Jaurès nos dias 07 e 08 de junho, foi realizado o debate Justiça, direitos e democracia, que teve como expositores Elói Pietá (presidente em exercício da Fundação Perseu Abramo e membro da Comissão do Programa de Governo do PT), Augusto Chagas (presidente da União Nacional dos Estudantes), Manoel Dias (secretário geral e presidente em exercício do Partido Democrático Trabalhista/PDT) e Newton Albuquerque (professor de Direito Internacional Público da Universidade Federal do Ceará e membro do Conselho Curador da FPA).

Os dois mandatos da administração Lula pontuaram a fala do presidente da UNE, Augusto Chagas, que considera os últimos oito anos como decisivos na disputa política em toda a América Latina. Augusto lembrou também do eco internacional causado pela ação do governo brasileiro em episódios internacionais como o acordo com o Irã e o debate sobre a ONU. Ele defendeu ainda o que seria a percepção, pelo povo, dos avanços alcançados com medidas governamentais como a valorização do salário mínimo, o aumento da renda dos trabalhadores, e a geração de empregos, que promovem a emancipação de milhões de brasileiros.

Na área da Educação, Augusto Chagas destacou questões como a qualidade do ensino, o aumento do orçamento do setor, o fortalecimento educação publica, a expansão das escolas técnicas e universitárias, e a duplicação do atual numero de vagas para alunos, entre outras iniciativas.

"Não podemos aceitar retrocessos", disse o presidente da UNE, fazendo referência à condução democrática da gestão pública e citando as consultas públicas, as conferencias nacionais e o processo de fortalecimento das centrais sindicais. Mas ele também ressaltou que é preciso reduzir ou acabar com o déficit da área da Educação, na qual ainda é registrada a existência de milhões de analfabetos, além de gargalos como o baixo índice de escolarização de adultos, a desvalorização dos profissionais de educação, e a falta de infraestrutura nas escolas públicas.

Para resolver este déficit, Chagas defendeu o aumento do investimento no ensino e o uso do fundo social do pré-sal para educação, ciência e tecnologia. Ele também se mostrou favorável à adoção da visão sistêmica da educação, pondo fim à sua fragmentação entre municípios, estados e União. E, por fim, lembrou da necessidade de se equacionar a relação entre educação e trabalho para garantir o acesso e a permanência dos jovens nas escolas.

Para Manoel Dias, secretário geral e presidente em exercício do PDT, entre os avanços  mais significativos dos últimos oito anos de governo estão a inserção de milhões de brasileiros, que vêm recuperando sua cidadania. Dias lembrou que o Brasil está sendo apontado como a possível sexta potencia mundial até o ano 2016 –  o que, para ele, ressaltaria a importância de um processo de continuidade.

Dias enfatizou que muitas das iniciativas do governo Lula ainda esbarram nas forças conservadoras, e que, por essa razão, é preciso aumentar o numero de parlamentares para a formação de uma maioria no Congresso Nacional. Ele também falou sobre a herança deixada pelos governos anteriores que, ao tratar o Estado como ineficiente, acabaram por desmoralizá-lo.

Para o futuro, Manoel Dias defendeu o investimento massivo na Educação, citando os exemplos de diversos estados brasileiros nos quais o PDT colocou em prática seu projeto educacional.

Dias disse ainda que é preciso capacitar a população para a politica, educando-a para que possa, socialmente, reagir. Para tanto, afirma, é necessário um aumento nas verbas nas áreas educacional e social. Hoje, segundo ele, a geração de emprego é recorde, mas ainda não atende a demanda. E o mundo do trabalho, cada vez mais exigente, reforça a urgência de investimentos em ciência e tecnologia.

 

2003–2010: Justiça, direitos e democracia
Foto: Eduardo Fahl

 

O professor da Universidade Federal do Ceará, Newton Albuquerque, prosseguiu tratando da questão do Judiciário. Para ele, o Judiciário se mantém como peça de resistência, mantendo ainda hoje a blindagem que sempre lançou sobre os direitos sociais. Para Albuquerque, o Judiciario, não raro, atua como obstáculo à consolidação dos direitos sociais conquistados pela sociedade. “Ele impede que tenhamos uma Constituição de 1988 pra valer, interdita a sua regulamentação”, afirma o professor. 

E alerta: o país vive um momento muito perigoso, com a real possibilidade de que a eleição presidencial resvale no campo judicial. Como exemplo, citou a juiza que recentemente se pronunciou sobre a possibilidade da candidata Dilma Rousseff, por conta de suposta infração da lei eleitoral, ter sua candidatura cassada – ou, a posse, impedida. “Não podemos aceitar que eles conduzam esse processo”, disse Albuquerde.

“Houve um deslocamento das classes dominantes para dentro do Judiciário, que não encontram espaço no Legislativo e no Executivo. O Poder Judiciário hoje tem o papel de tutelar interesses de uma minoria no Brasil”, ressaltou Albuquerque.

Para o professor, a sociedade e a esquerda devem discutir e tematizar sobre a conduta do Poder Judiciário com urgência, debatendo inclusive os critérios para escolha dos membros da corte, como na Europa, onde são trazidos ao escrútinio publico. E finaliza: “Temos que ocupar esse espaço. Precisamos ser críticos, ativos nessa reflexão”. 

Por fim, o presidente em exercício da FPA e coordenador das oficinas que deram origem à coleção de livros “2003-2010 – O Brasil em Transformação”, Eloi Pietá, prossegiu com o debate lembrando que o governo Lula se empenhou com firmeza na reforma do Judiciário. Para Pietá, há um entendimento desse tema, no governo, como de interesse da sociedade. “O Poder Executivo assumiu corajosamente a questão do Judiciário e da segurança pública – esta última, até então restrita às questões de fronteira e de soberania”, afirmou.

Elói Pietá ressaltou: “O Judiciário se coloca acima dos outros poderes, tem postura imperial e é o único poder cujos membros não são expostos ao crivo popular. Seus integrantes passam por concursos cujas exigências limitam o ingresso somente às elites, que procuram exercer, por meio dessa instituição, um poder além das fronteiras que a própria Constituição coloca”. Pietá disse, ainda, que a complexidade envolvida no debate sobre o Poder Judiciário não vem sendo abordada com propriedade, apesar de sua enorme importância para a democracia e para os Direitos Humanos.

A reforma do Judiciário implementada pelo governo Lula avançou, acredita Pietá, mas persiste a demora na solução dos litigios. Tal situação não se deve à falta de juízes nem de servidores, mas ao excesso de litigiosidade. Citando estudo realizado pelo governo federal, ele mostrou que  cerca de 60% das ações existentes no Judiciário resumem-se a 45 tipos de causas, que têm entre seus promotores o Estado, os bancos e as concessinárias de serviços publicos. Os restantes 40% são de cidadãos. A demora favorece àqueles que podem pagar advogados de muita experiência e acabam colocando as ações a perder de vista, com processos durando décadas. Sobre essa litigiosidade, Elói Pietá defendeu a súmula vinculante, ressalvando que ela dá poder maior para a cúpula do Poder Judiciário, embora, do ponto de vista da redução da litigiosidade, seja positiva.

Pietá completou sua fala com reflexões sobre as iniciativas de combate à corrupção e a atuação da Polícia Federal no governo Lula. 

 

Atualizado em 11/6/2010 às 16:34