O Brasil de Lula e o de FHC – Um livro necessário
Por Juarez Guimarães
Há certos livros que se não existissem seria necessário criá-los. Se não tivessem sido escritos, seria preciso escrevê-los. Este livro do companheiro e economista José Prata é um destes livros. A sua incontornável atualidade está em dar uma contribuição decisiva para construir a consciência dos atores sobre as mudanças históricas de toda uma nova época no Brasil.
Por Juarez Guimarães
Há certos livros que se não existissem seria necessário criá-los. Se não tivessem sido escritos, seria preciso escrevê-los. Este livro do companheiro e economista José Prata é um destes livros. A sua incontornável atualidade está em dar uma contribuição decisiva para construir a consciência dos atores sobre as mudanças históricas de toda uma nova época no Brasil.
A consciência histórica que se constrói neste livro alicerça-se em três grandes feitos. O primeiro deles é o desmistificar, por abaixo, desmoralizar um conjunto de teses de interpretação da história recente do Brasil e que circulam cotidianamente na mídia liberal brasileira, em edições e colunas de opinião, chegando mesmo a ser adotadas por alguns intelectuais do campo crítico ou socialista.
A tese de interpretação mais forte, aqui desmistificada, é que haveria um continuum histórico de fundamentos entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva, o que autorizaria uma convergência programática e política entre PT e PSDB. A abundância de argumentos, informações e análise postas à disposição didaticamente ao leitor neste livro desmoraliza esta tese. A presumida esquizofrenia da consciência do povo brasileiro que reprovou fortemente uma experiência de governo e está aprovando enfaticamente outra é, então, reinterpretada pelo autor como, para lembrar Gramsci, a oposição entre uma convicção pretensamente iluminista, que se constrói às margens do povo, e o bom senso popular.
Há, vinculada a esta grande visão mistificada de uma continuidade de fundamentos entre FHC e Lula, uma série de subteses mistificadoras onipresentes na mídia brasileira que são igualmente reduzidas a pó: o governo do PSDB praticou a responsabilidade fiscal ao contrário do atual governo, gastador e mau gestor; o governo Lula mantém sua base social graças a um clientelismo assistencialista; a Vale do Rio Doce expandiu-se devido a sua ótima gestão após a sua privatização; o governo do PT inchou a máquina do Estado "com os companheiros", como afirmou ironicamente o governador Aécio Neves; além de expandir a tributação, o governo Lula aumentou a concentração dos recursos no plano federal; a expansão econômica do Brasil nos últimos anos foi mero reflexo da dinâmica internacional que favoreceu Lula, ao contrário do presidente anterior; a previdência brasileira continua assentada em uma lógica insustentável…
O segundo grande feito do livro, fruto de um trabalho criterioso e permanente do autor desde 2003, reside em reunir, organizar e analisar um conjunto de dados e informações que, ou não são acessíveis mesmo a um cidadão bem informado, ou são acessíveis em um quadro disperso e fragmentado. O anti-pluralismo que faz a convergência liberal da mídia empresarial brasileira, como se houvesse um super-editor a unificar enfoques, manchetes e editoriais, manifesta-se sob um outro ângulo ainda mais crucial: a definição da agenda da cobertura, do que é noticiado e do que deixa de ser, da informação descontextualizada ou distorcida que mais desinforma do que esclarece.
O Brasil tem mudado muito nos últimos anos, vive hoje, sem dúvida, a maior transformação de toda a sua história republicana. Mas esta notícia não está nos jornais. Está, no entanto, neste livro: aqui, nos sete capítulos que capturam a dinâmica macro-econômica e social do país, temos uma grande visão construída das mudanças históricas em processo no país.
O terceiro grande feito deste livro é fornecer, assim, os fundamentos econômicos e sociais das mudanças políticas no país através de uma visão unitária e coerente. Ele não deixa de apontar desafios críticos: os juros, a questão cambial, os investimentos. Aponta inclusive as contradições no interior da experiência, como as opções feitas pela gestão conservadora e liberal do Banco Central.
A inteligência do livro está em não nos fornecer uma apologia benevolente. E não adotar, por isso, um tom triunfalista: a passagem da consciência social da mudança para a construção de uma força política hegemônica não está realizada e passará por uma prova decisiva nas eleições de 2010. O livro se detém na consciência deste desafio, enfocado centralmente através da relação do PT com os movimentos sociais, dos hiatos, desencontros e defasagens, entre a práxis partidária e a práxis dos movimentos sociais.
A cultura e a política, o discurso e a prática, do que viemos chamando de revolução democrática está no centro deste desafio, a partir do qual uma vontade inspirada no socialismo democrático pode conduzir a transformações estruturais que ressignifiquem o próprio contrato de direitos e deveres que organiza os fundamentos do Estado brasileiro.
Construído todo o tempo em tom polêmico e argumentativo, como é da boa tradição crítica do marxismo, este livro é uma ferramenta indispensável para o trabalho de todos aqueles que acreditam que a utopia está entre nós, na esperança vívida e vivida, de dezenas e dezenas de milhões, de trabalhadores e oprimidos, e precisa agora reafirmar democraticamente o seu direito ao futuro.
Juarez Guimarães, professor de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)