Por Lucia Berbert, para o Tele.Síntese

Por Lucia Berbert, para o Tele.Síntese

A poucos dias da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), marcada para os dias 14, 15, 16 e 17 deste mês, no Centro de Convenções de Brasília, o governo ainda pretende avançar no debate de algumas propostas para o setor, que serão apreciadas no evento. É o que conta ao Tele.Síntese o secretário-executivo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Ottoni Fernandes Júnior. Ele ressalta que as propostas apresentadas pelo Poder Público até agora pedem a regulamentação e fiscalização do que já está definido na legislação, mas que ainda não foi normatizado. É o caso do tempo máximo de publicidade na TV aberta, limite de concessão de outorgas e garantia de divulgação de conteúdos regionais. E garante: o controle social da comunicação não é defendido pelo governo. Também se diz contrário a imposição de limites à internet.

Com o tema central “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania era digital”, a 1ª Confecom se desenvolverá em três eixos-temáticos: “Produção de Conteúdo”, “Meios de Distribuição” e “Cidadania: direitos e deveres”. Nas etapas regionais foram eleitos 1.680 delegados, sendo 40% representantes dos movimentos sociais, 40% das entidades empresariais e 20% do Poder Público. Outros 350 observadores de órgãos nacionais, internacionais e de pessoas da sociedade vão participar dos debates, mas sem direito a voto. Estão previstas ainda a realização de palestras sobre os eixos temáticos com o objetivo de enriquecer os debates. As propostas finais serão votadas na plenária da Confecom, marcada para o dia 17.

Tele.Síntese – O receio do controle social da comunicação ainda preocupa os empresários do setor. O governo pensa em propor algo semelhante na 1ª Conferência Nacional de Comunicação?

Fernandes Júnior – O governo nunca propôs o controle social da comunicação. Isso não está escrito em lugar algum. Não tem uma menção a controle social. [Veja aqui as propostas do governo]

O assunto é recorrente e tem preocupado os empresários, de um modo geral.
Fernandes Júnior – O que nós estamos propondo é só um início de propostas. Esta semana nós vamos evoluir em algumas propostas. Nós não queremos um papel de protagonista. Achamos que esse papel é da sociedade, mas o governo não vai ficar omisso. Ele vai tomar posições.

O que nós fizemos até agora, em primeiro lugar, foi um grande esforço para que as entidades empresariais, que acabaram saindo, não saíssem. O ministro (Franklin Martins) fez apelo, eu fiz apelo para Abert, ABTA, ANJ. Conversei com todas, falei que era importante os empresários participarem porque esse é um espaço de construção de uma nova proposta para o setor.

Qual a importância da participação dos empresários, já que em conferências de outras áreas eles deixaram de participar?

Embora o evento não tenha caráter legislativo, ele vai informar as decisões do Congresso, as plataformas de candidatos. Nós comentamos que era um erro os empresários saírem porque eles deixavam de influir nesse debate. Nós deixamos claro aos empresários que o governo faria um papel de ser justamente um facilitador do diálogo entre as partes, entre sociedade civil organizada e empresarial. E se for pegar o testemunho do Pauletti [Telebrasil], do César e do Flávio Lara Resende [Abra], eu acho que elas estão muito satisfeitas de terem ficado, porque estão fazendo propostas, participaram de todas as conferências estaduais.

No começo, o diálogo com os movimentos sociais foi difícil. Acontece, não havia experiência entre as partes. Mas hoje o diálogo flui, busca-se o consenso. E o governo cumpriu justamente esse papel. No início ele foi o facilitador, ajudando no namoro. E hoje acho que tem um diálogo muito grande. Nas reuniões da comissão organizadora, muitas decisões que antes rachavam as partes, saem por consenso. E os empresários ganharam um espaço. Eles se organizaram nacionalmente para participar das conferências estaduais. Não teve nenhum problema nessas conferências.

Não houve resistências nos estados?

No primeiro momento, na fase preparatória, algumas comissões organizadoras estaduais queriam evitar a presença dos empresários, mas isso foi superado. Em todos os lugares saiu a representação de 40% dos empresários, 40% da sociedade civil organizada e 20% do poder público municipal e estadual.

Em São Paulo, no começo, os pequenos empresários ligados aos movimentos sociais tiveram certa resistência, como Carta Capital e Vermelho. Mas houve o diálogo, se conciliaram. Então isso é uma demonstração de espírito democrático. Acho que está sendo uma grande experiência.

E as propostas a serem apresentadas na plenária nacional, como serão organizadas?

O Ministério das Comunicações contratou a Fundação Getúlio Vargas para sistematizar as propostas. Tem cerca de 6.100. Algumas, na realidade, nem são propostas, são manifestações, não têm coisas substantivas, mais adjetivas. Essas vão ser colocadas numa categoria à parte.

Como será a dinâmica dos trabalhos?

Nós vamos formar 15 grupos de trabalhos, cinco por cada eixo temático. [“Produção de Conteúdo”, “Meios de Distribuição” e “Cidadania: direitos e deveres”]

Quais são as expectativas do governo com a Confecom?

No governo Lula já foram realizadas 61 conferências e as pessoas ainda não percebem a importância delas. O próprio SUS [Sistema Único de Saúde] nasceu na oitava conferência de saúde. É uma proposta que vem da base e foi assumida pelo governo Fernando Henrique, passou pelo Congresso Nacional e hoje é considerada uma referência mundial de articulação dos três níveis de governo. Então as pessoas não estão percebendo que, embora não tenha um caráter legislativo, ela vai influir junto aos legisladores, ao Congresso.

E mais, tem uma parte da conferência, posições, propostas que são aprovadas pelo plenário que vão ser objetos apenas de regulamentação, de uma portaria, de uma norma, e por isso é ruim que os empresários fiquem de fora, porque deixam de influir numa coisa que pode avançar para uma nova legislação.

Voltando às propostas do governo, em que se baseiam?

O que nós temos de propostas, principalmente da Secom, não tratam ainda das questões macro de convergência, mas sim de regulamentar e fiscalizar decisões já tomadas ou na Constituição ou no Código de Telecomunicações. Como o limite do número de outorgas [de rádio e TV], a garantia de veiculação de conteúdo regional, a produção independente, o limite de hora de publicidade nas concessões de TV. Tudo isso já está na legislação, mas ninguém controla. O que nós estamos querendo é que se defina um órgão, se a Anatel ou outro, para regulamentar isso.

Quanto à questão de órgão regulador, nós ainda vamos discutir mais nesta semana com os representantes de todos os ministérios, mas a minha posição pessoal é contra qualquer tipo de órgão de controle de conteúdo naquilo que não for concessão. Nós não temos que nos meter na liberdade de imprensa dos veículos que não são concedidos. Por que a concessão de espaço eletromagnético é um bem público e precisamos garantir que a programação seja basicamente de jornalismo, entretenimento, informação cultural, limitar cultos religiosos em determinados horários. É isso que nós queremos. Um órgão que regulamente, fiscalize aquilo que já existe. Nós não somos contra a qualquer tipo de controle, de fiscalização sobre a manifestação de imprensa livre.

Esse órgão pode ser a Ancine?

É uma possibilidade. Eu temo que a Ancine não tenha capacidade para cumprir essa função na TV aberta. Isso é um fator a discutir. Precisa ter um organismo. Hoje não tem. A Anatel não faz esse papel. O Ministério das Comunicações não faz esse papel.

O que precisa ficar bem claro é que esse trabalho de fiscalização será feito em concessão de espaço eletromagnético e nunca sobre a qualidade do conteúdo jornalístico ou mesmo do entretenimento. Eu sou contra a baixaria na TV, por exemplo, mas acho que só a sociedade organizada pode combater isso. Acho que tem que ter a classificação indicativa dos programas, sim. Acho que é um absurdo ter propaganda de bebidas alcoólicas num horário que criança esteja vendo televisão. Acho que isso deveria também ser fiscalizado e já existe proposta do Ministério da Justiça em relação a isso.

Então, essas propostas tratam do que já existe e não é regulado nem fiscalizado. E não é regulado porque não foi feito o regulamento. Tem um número grande de projetos na Câmara para regulamentar a produção independente e a produção regional, mas nada passou. Precisa organizar isso e a conferência pode fazer uma proposta de unificação deles. Depois tem um processo posterior de acompanhamento legislativo, por meio de uma comissão formada durante a Confecom, para poder avançar.

A regulamentação da internet tem sido defendida por vários empresários. Qual a posição do governo sobre esse tema?

Eu sou radicalmente contra. Acho que a proposta do marco civil da internet feita pelo Ministério da Justiça, que trata basicamente da proteção do cibercrime. O caso dos provedores, para que eles tenham condições de fazer um rastreamento para evitar pedofilia, atentados contra a segurança do país, da sociedade, campanhas odiosas, preconceitos. Sou contra qualquer tipo de outro controle.

Há um movimento, principalmente dos radiodifusores, de aplicar o artigo 222 da Constituição, que trata da propriedade dos veículos de comunicação, nos portais da internet que veiculam notícias. Você é a favor disso?

Sou contra isso. Acho que a internet tem que permanecer como um espaço liberado. É importante para diversificar. A internet tem a grande vantagem de, nesse aparente caos, refletir a sociedade nas suas múltiplas visões. É uma forma, no fundo, de democratizar a informação. Tem muito boato, tem muita lenda, mas tem informação. Não pode ter controle, é assim no mundo inteiro.

Toda vez que tem uma manifestação [contra problemas na internet] a Justiça resolve. A Justiça entrou no Orkut por causa de pedofilia e outros problemas. O próprio Google forneceu as informações necessárias para identificar os autores. Então cabe à justiça intervir, por exemplo, numa manifestação sectária, contra valores constitucionais, contra as liberdades. E tem acontecido. Nós temos mecanismos para isso. Não precisa adotar limites por cima porque ai vai matar a diversidade.

E quais as perspectivas para a Confecom? Já são mais de seis mil propostas…

Eu acho que vamos chegar, depois de consolidar, a um número bem menor porque uma mesma organização, como a Telebrasil, por exemplo, entrou com propostas iguais em todas as regionais. Ao sistematizar, nós vamos organizar por eixo e uma só proposta, com pequenas variações, pode representar outras propostas. O que a FGV vai fazer é uma proposta unificadora, que vai receber um título breve e vai estar associada na internet a todas as propostas identificando o estado, a origem, e a pessoa vai poder ver todas as propostas e ver que foi atendida. Então com isso a gente acha que vai enxugar bastante.

A gente acha que, com esse trabalho, chegaremos a 1.500 a 2.000 propostas, que serão levadas para os grupos de discussão, que já vão passar um filtro muito grande, antes de ir para o plenário. De tal forma que a gente leve cerca de 200 a 100 propostas para o plenário, para que possam ser discutidas e votadas.

E o que acontecerá depois? Já existe uma proposta para dar periodicidade à Confecom, como já existem para outras conferências?

Ainda não. Mas acho que devíamos seguir o modelo da saúde, que é de dois em dois anos. Mas essa é uma opinião pessoal. Vai caber ao próximo presidente ou presidenta da República definir.