Os filhos do Brasil e o FDP
É difícil acreditar que afirmações insidiosas ganhem tanto destaque nas páginas de um dos maiores diários do país e tudo fique como sempre esteve. Troca de acusações, exageros verbais e fofocas são ingredientes naturais da política em qualquer parte do mundo – menos nas ditaduras, onde as piadas sobre os governantes não costumam terminar em sorrisos. Nas democracias, jovens ou velhas, a liberdade de expressão é um valor inerente ao indivíduo e à sociedade. Inclusive, se paga caro quando, em nome dela, se cometem injustiças. Mas, o que fazer quando, por motivos inconfessáveis, alguém se dispõe, do nada, a usar uma aparente proximidade com certos personagens para lhes assacar ilações comprometedoras da honra, sejam elas autoridades ou não?
Este é o caso de Cesar Benjamin, colunista da Folha, em primeiro lugar, e, em segundo, ex-fundador do PT. Esta ordem é importante porque nossa vida é a soma de experiências passadas aplicadas no presente. É assim que vislumbramos ou sonhamos com o futuro. Ao receber, generosamente, uma página inteira do primeiro caderno para suspeitar da conduta moral do presidente da República, Benjamin faz um jogo deselegante e que, de tão pífio, o ridiculariza. Como a afirmação que faz não passa de uma tolice ainda juvenil que não resiste à menor checagem com os personagens envolvidos no episódio (os companheiros detidos à época e os acompanhantes do almoço), o papel a que ele se presta revela bem a natureza de seu caráter perturbado (não é fácil ser preso aos 17 anos e ficar confinado por outros sete). Mas, além disso, expõe claramente qual é o nível de jornalismo ao qual estamos submetidos no Brasil. Um jornalismo aliado das fofocas pequenas em nome de uma moralidade sabidamente impossível, cujo objetivo é a desconstrução da política como ferramenta de realização nacional.
A operação está clara. O jornal não pode assumir a acusação e “terceiriza” sua responsabilidade. O que vier depois disso é lucro porque, se alguém tiver que ir à Justiça para responder pelo que escreveu, este alguém será o articulista, e não o veículo. Enquanto isso, a “versão pega e se expande”. É muito óbvio o mecanismo. E com a extinção da Lei de Imprensa, tão festejada pelos donos da mídia, não é difícil imaginar por quanto tempo e qual resultado se alcançará em uma ação por danos morais em função desse tipo de artigo.
Desde que boa parte da imprensa comercial decidiu voltar um século atrás em sua maneira de fazer jornalismo e se transformar em partido político, a sociedade brasileira fica, a cada edição, mais pobre de informação. A liberdade de expressão deixa de ser um valor para cada um e para todos para ser usada em uma cruzada moralista que busca atingir apenas aos adversários. Não fosse assim e o filho ilegítimo de FHC não teria sido ocultado e negado por 18 anos.
É a velha máxima: aos amigos, o acolhimento; aos inimigos, a lei. Mas, de qual lei falamos? Exatamente da lei da dissimulação que tudo permite em nome da liberdade. Este cinismo moderno sufoca o verdadeiro debate porque impõe uma agenda que não combina com as aspirações individuais e coletivas por uma democracia que seja respeitada, ampliada e consolidada.
O que faz Cesar Benjamin com seu artigo senão tentar chamar os holofotes para si em nome da liberdade que tem, como colunista do jornal, e assim escrever o que bem entende? Esta técnica não é nova e, atualmente, temos vários exemplos semelhantes em outros jornais e revistas. O que espanta é a naturalidade com que é feita a afirmação de que o presidente Lula teria tentado molestar sexualmente um “menino do MEP” em seu período de cárcere, entre 19 de abril e 20 de maio de 1980.
À incredulidade de imaginar que alguém possa escrever isso impunemente se soma a dúvida do que efetivamente pode estar por trás dessa informação. “Mania de perseguição”, dirão alguns. “Lá vem a tese da conspiração”, dirão outros. Pode ser. Mas, quando se vive com um jornalismo de esgoto, tudo é possível. Sinceramente, Benjamin por Benjamin, prefiro o Walter. Este, que assina o artigo em espaço generoso na Folha, é apenas subproduto de um rancor mal analisado por ele mesmo. A única coisa que ele acerta é a diferença entre quem são os filhos do Brasil e quem é o filho da puta.
Marco Piva, jornalista, assessorou o presidente Lula e o PT, mas nem por isso se sente à vontade para usar dessa condição com o objetivo de dar ares de veracidade a eventuais bobagens que venha a escrever sobre ambos.