<!– @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } –>


<!– @page { margin: 2cm } P { margin-bottom: 0.21cm } –>

“Quando a sociedade muda e acaba apostando num tipo de tecnologia que é baseado na troca de bens e materiais, que não tem desgaste nem escassez, de arquivos digitais que podem ser copiados uma vez ou um milhão de vezes sem nenhuma alteração do seu original, nós estamos numa outra fase”, aposta o professor. Confira a entrevista.

Um dos principais defensores do compartilhamento de arquivos pela Internet, Sérgio Amadeu, conversou, por telefone, com a IHU On-Line sobre pirataria, autoria, banda larga entre outros temas que cercam a questão da troca de informações via rede digital. Segundo ele, “a indústria fonográfica está em crise, a imprensa e a ideia de gatekeeper estão em crise e também os partidos estão em crise porque no mundo das redes existem várias formas de articulação direta entre os cidadãos”.

Sérgio explica que as redes digitais não substituem o Poder Legislativo ao proporcionar uma participação direta da população, mas “permitem que as pessoas que defendem uma determinada causa possam ter essa defesa ampliada para o escopo político sem necessariamente se ligar a um ou outro partido".

Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo formado pela Universidade de São Paulo, onde também obteve o título de mestre e doutor em Ciência Política. Atualmente, é professor na Faculdade Cásper Líbero e é consultor do Instituto Campus Party. Entre os livros que escreveu, destacamos: Exclusão Digital: a miséria na era da informação. (São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001), Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento (São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004) e Ciberespaço: a luta pelo conhecimento (São Paulo: Editora Salesiana, 2008).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Entre os brasileiros que têm Internet em casa, 45% revelam que baixam conteúdo pirata. No mundo, os números são parecidos com a realidade brasileira. A pirataria venceu?

Sergio Amadeu – Não. Eu acho que copiar arquivos digitais ou baixar um arquivo que estava disponível na rede não tem nada a ver com pirataria, porque a metáfora é feita para manter um modelo, são negócios construídos no mundo industrial que não têm mais sentido nas redes digitais. No mundo das redes digitais, quando alguém copia um arquivo, não está tomando nada do original. A metáfora da pirataria não é nada mais do que uma metáfora, ou seja, quando o navio pirata encostava num outro navio e o roubava, ele levava os bens materiais, e o navio que foi roubado fica sem aqueles produtos. Agora, quando você entra num repositório e copia, por exemplo, uma música, isso não tem nada a ver com aquilo que era feito pelos piratas no passado. Aquilo é uma imagem que é equivocada, assim como é equivocada a ação das indústrias de copyright no mundo das redes digitais. É uma coisa completamente absurda. A Internet é uma rede baseada em computação digital.

"Os computadores digitais baseiam-se em cópias o tempo todo, quando abro uma página no meu navegador, o que eu fiz foi copiar instruções binárias e que mandam orientações para meu browser. Toda a Internet é baseada, portanto, em cópia."

Os computadores digitais baseiam-se em cópias o tempo todo, quando abro uma página no meu navegador, o que eu fiz foi copiar instruções binárias e que mandam orientações para meu browser. Toda a Internet é baseada, portanto, em cópia. Falar para não copiar nas redes digitais é ir contra a natureza técnica das próprias redes. Não é à toa que a indústria de copyright está afundando. Isso está acontecendo não por cópia não autorizada por eles, mas por causa da diversidade de produtos culturais que temos disponíveis na rede e que eles nunca tiveram no mundo controlado pelo mass-media. Na semana passada, tive acesso a uma pesquisa que mostra que as pessoas que mais baixam músicas pela Internet são as que mais compram cd’s. Então, o alvo criminal deles é o que sustenta a velha indústria da intermediação. O que está acontecendo com a Internet é basicamente a crise dos vários intermediários, porque ela permite que um grupo de música, por exemplo, entre em contato diretamente com seu fã sem a necessidade da intermediação da indústria do copyright. O mundo digital está alterando muito esse “ecossistema” da produção e distribuição de bens culturais. I

HU On-Line – Processar piora a situação para a indústria de filmes e músicas?

Sergio Amadeu – Eles vão ficar processando pessoas comuns. Veja o caso do Pirate Bay, um site que tinha um cracker, ou seja, tinha um mecanismo de busca onde os próprios internautas se registravam no site e quando alguém buscava alguma música ou vídeo, não baixava do site, mas dos computadores das pessoas diretamente. Essa prática de compartilhamento é muito comum, é uma prática antiga. Um exemplo: antigamente, as pessoas pegavam o vinil, botavam no seu aparelho de 3 em 1, gravavam uma fita cassete, emprestavam para os amigos, e isso não era considerado um grande problema. A questão virou um problema quando essa prática, que é comum, encontrou um meio técnico que permite que a prática seja feita com mais intensidade. Então, processar as pessoas é tão ridículo quanto a frase do Elton John que, há algum tempo, disse: “as pessoas não compram mais minha música por causa da Internet, então peço a vocês que fechem a Internet por alguns anos”. Isso é ridículo!

IHU On-Line – Como você vê iniciativas como a do Partido Pirata?

Sergio Amadeu – O programa do Partido Pirata é baseado na liberdade de compartilhamento, de fluxo de bens culturais, de conhecimento. Eles utilizam o nome pirata num sentido bastante irônico, porque trabalham contra a ideia de que existe a pirataria. Mas eles utilizam esse nome para poder chocar e fazer com que as pessoas prestem a atenção para o que está acontecendo no mundo dos bens culturais e do próprio conhecimento. A tentativa dos grandes grupos é a de bloquear ao invés de garantir a livre disseminação da cultura, o que é muito importante numa sociedade que se baseia cada vez mais em informação. Então, acho que a iniciativa é extremamente interessante nesse sentido. Por outro lado, acho que é bastante complicado montar um partido só sobre um tema, por isso acho que ele cumpre um papel importante, mas ele é limitado porque é um partido monotemático. Penso que hoje os partidos têm de ter um papel muito mais amplo. Por isso acho que o que está em crise hoje é um conjunto de intermediários, como já havia dito. A indústria fonográfica está em crise, a imprensa e a ideia de gatekeeper estão em crise e também os partidos estão em crise porque no mundo das redes existem várias formas de articulação direta entre os cidadãos. Não estou dizendo que o Poder Legislativo está em crise e que vamos substituí-lo por participação direta da população, mas estou dizendo que hoje as redes digitais permitem que as pessoas que defendem uma determinada causa possam ter essa defesa ampliada para o escopo político sem necessariamente se ligar a um ou outro partido.

IHU On-Line – A banda larga deveria ser regulada? De que forma?

Sergio Amadeu – Na verdade, no Brasil, precisamos que antes ela seja ampliada. O Brasil tem uma carência muito grande de banda larga, ela está presente em apenas alguns lugares. Na maioria dos municípios, a banda larga ainda não chegou, o que gera uma conexão completamente assimétrica, distante das possibilidades de uso multimídia, o que é um absurdo. Além disso, a banda larga nas periferias das grandes cidades também não chega como deveria. Nós temos que exigir uma regulamentação que faça com que essas operadoras – que são oligopólios que controlam a conectividade – levem a banda larga a ser um serviço universal como é a telefonia fixa.

"Um dos grandes problemas no Brasil é o alto custo da telecomunicação. Aqui, o megabitt chega a ser 20 vezes mais caro do que na Europa."

Também devemos incentivar que os municípios liberem o sinal e criem nuvens de conexão gratuita. Está mais claro que isso reduz o custo enormemente. Várias cidades estão abrindo o sinal e aumentando a conectividade, incentivando as pessoas a comprarem computadores. Um dos grandes problemas no Brasil é o alto custo da telecomunicação. Aqui, o megabitt chega a ser 20 vezes mais caro do que na Europa. Nós temos um modelo absurdo de precificação da comunicação de dados da banda larga. E tem outro problema: mesmo quando a cidade abre o sinal, essa prefeitura tem que comprar o sinal de uma rede de alta velocidade. Geralmente, ela mensura a sua rede para 200 usuários, por exemplo, mas isso incentiva a conectividade e esse número pula para mil. Com isso, vai querer aumentar a disponibilidade de banda no provedor, e esta empresa que provê a rede passa a cobrar o que quiser do município. Ou seja, essas empresas cobram cada vez mais caro quando aumenta o uso, o que acaba gerando uma megacrise nesses municípios que implantam o programa Cidades Digitais. Temos que ter uma regulamentação que seja completamente diferente do que a ANATEL faz hoje no país.

IHU On-Line – De que forma o conceito de autoria foi modificado com a Internet?

Sergio Amadeu – A sociedade cria os seus arranjos culturais, jurídicos e políticos. A autoria, antes do Renascimento, era uma coisa pouco importante para a criação. Com a industrialização, nasce o processo de divisão do trabalho que existe no mundo das fábricas para o mundo das artes. O compositor passa a ser um cara que não executa, o executor é uma função especializada, e isso vai acontecendo com o conjunto das artes. Isso faz parte do desenvolvimento histórico social que está ligado aos processos e contradições na sociedade, principalmente a ocidental. A ideia de autoria se disseminou a partir do Renascimento, antes não fazia sentido isso, a arte era de domínio comum. Quando a sociedade muda e acaba apostando num tipo de tecnologia que é baseado na troca de bens e materiais, que não tem desgaste nem escassez, de arquivos digitais que podem ser copiados uma vez ou um milhão de vezes sem nenhuma alteração do seu original, nós estamos numa outra fase. Essa fase dissolve a autoria e coloca novos problemas para essa ideia e retoma noção de que a cultura é um bem comum e que a maior parte das criações têm como base a própria cultura. Aí começamos a ver que não tem sentido sustentarmos uma indústria da intermediação que vive efetivamente do controle da produção cultural. Exemplo: que sentido tem a proteção de uma obra, como diz na nossa legislação, 70 anos depois da morte do autor? Lá atrás diziam que faziam isso para incentivar o criador. O criador morreu há 70 anos, ou seja, não há incentivo ao criador, mas sim estamos mantendo uma indústria da intermediação, que é a maior afetada pelas redes digitais. O mundo mudou e com ele as formas de propriedade também mudam.

IHU On-Line – O senhor já afirmou que a Internet sofre grande influência da cultura hacker. Como podemos compreender essa cultura?

Sergio Amadeu – A Internet é fortemente influenciada pela cultura hacker. No início da Internet, esse grupo de programadores talentosos enfrentava desafios por livre e espontânea vontade. Ao superar esses desafios, eles compartilhavam com todos os outros as soluções. Essa prática de compartilhamento foi combatida pela indústria de software e hardware e passou a chamar de hackers ou crackers, ou seja, passou a confundir o hacker com um criminoso. Isso é uma disputa semiológica e ideológica. A imprensa é financiada pelos grandes grupos, e, assim, passou a disseminar a ideia do hacker como um criminoso. Os historiadores da rede e da Internet apontam, como no livro A Galáxia da Internet (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003), escrito por Manuel Castells, que a cultura hacker é uma das culturas fundamentais na criação da rede aberta, não proprietária, que nós temos hoje, que se chama Internet. É uma rede que permite que se crie formatos, novos conteúdos e novas tecnologias sem pedir permissão a ninguém. Uma rede que é de controle, mas que a cultura hacker garante que esse controle não chegue ao indivíduo porque garante a comunicação anônima. Toda essa construção é baseada também e principalmente na cultura hacker.

Publicado no portal Instituto Humanitas Unisinos (IHU) em 17/11/2009