Entrevista: Tania Bacelar – Nordeste foi a região mais beneficiada no governo Lula
Bahia Econômica: O Brasil parece estar num ciclo virtuoso de crescimento econômico, a crise foi superada e o país está voltando a crescer. Com você analisa a posição do Nordeste nesse novo ciclo de crescimento do país?
Tânia Bacelar: Veja, o Nordeste foi beneficiado pela opção estratégica da política econômica do país. A opção de apostar no mercado interno. Essa opção, aliada a uma política de transferência de renda e de aumento da renda e do emprego beneficiou sobremaneira a região Nordeste. Entre 2003 e 2008 foram criados 10 milhões de empregos, o desemprego caiu de forma expressiva e o crescimento real do salário mínimo tornou-se uma realidade. Entre 2002 e 2008, o salário mínimo teve um crescimento real de 50% e isso dinamizou o mercado interno. Agora veja: o Nordeste tem 28% da população do país, mas tem 50% de sua população ocupada ganhando salário mínimo. Assim o crescimento real do salário mínimo atingiu diretamente a região e ampliou o consumo. O salário mínimo cresceu em todas as regiões, mas aqui, como havia muito trabalhadores ganhando salário mínimo, o impacto foi maior. O que era desvantagem virou vantagem. O mesmo aconteceu com a transferência de renda. O Nordeste tem 28% da população do país, mas tem metade dos pobres. Assim dos 12 bilhões de reais distribuídos pelo Bolsa Família, mais de 5 bilhões vem para o Nordeste, dinamizando a economia. Novamente: o que era desvantagem virou vantagem.
É isso que explica o crescimento da região?
Sim. O aumento da massa salarial, o aumento de emprego, tudo isso resultou em mais consumo. E esse consumo expandiu-se ainda mais por conta da ampliação do crédito no país. O montante de crédito concedido entre 2003 e 2008 elevou-se de 25% do PIB para 40%. O Nordeste ampliou os níveis de consumo através do aumento da renda, do emprego e do acesso ao crédito. Tudo isso dinamizou a economia regional. A Pesquisa Mensal do Comércio, realizada pelo IBGE, demonstra que, entre 2003 e 2008, o maior crescimento do varejo no país, seu no Nordeste, depois no Norte e Centro-Oeste. O impacto no Sul e Sudeste foi menor porque lá os níveis de consumo já eram maiores. O Brasil do século XX era o oposto disso. Quem consumia era a classe média restrita, agora é o consumo insatisfeito da população pobre do país que está dinamizando a economia. E veja, quanto maior o consumo, maior o investimento. Consumo atrai investimento.
Aumentou o nível de investimento na região?
Sim. Por exemplo, a população nordestina começou a consumir mais alimentos e isso atraiu grandes corporações produtoras, redes de supermercados se espalharam pela região, empresas de vários tamanhos e diversificadas. A Bauducco veio para a Bahia, a Nestlé também e implantou um novo modelo de distribuição. Perdigão e Sadia foram para Pernambuco. O mesmo se deu em outros segmentos. Além disso, no âmbito do investimento, houve a consolidação da política de alocação de grandes investimentos na região, especialmente públicos, mas também privados.
Que tipo de investimento?
Os investimentos da Petrobras, por exemplo, merecem referência. A Petrobras mudou sua política de duas formas e isso beneficiou o Nordeste. Primeiro recomeçou a construir refinarias. A empresa tinha deixado de investir em novas refinarias. A última foi a Refinaria Landulpho Alves, na Bahia, criada em 1939. Mas agora voltou a investir. Vai construir três refinarias na região: em Pernambuco, no Ceará e no rio Grande do Norte. Sendo que as duas primeiras são de grande porte, terão impacto regional. Depois, a Petrobras mudou sua política de compras de navios, deixou de fazer licitações internacionais, passou a comprar navios fabricados no país e isso estimulou a produção naval, especialmente no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e no Nordeste. Pernambuco se beneficiou muito com essa nova estratégia e deve ter em breve quatro estaleiros. Além do estaleiro Atlântico Sul, já em funcionamento, está em vias de sediar um novo estaleiro de porte e dois outros de menor tamanho. Além disso, o PAC tem ajudado muito o Nordeste. Os investimentos são muitos, a exemplo da duplicação da BR-101, que vai de Alagoas até o Rio Grande do Norte, beneficiando o Nordeste Oriental e da construção de duas novas ferrovias, a Ferrovia Oeste-Leste, que liga a Bahia a Ferrovia Norte-Sul e a Trasnordestina, que liga Pernambuco e Ceará até Eliseu Martins. Não chega até a Norte-Seul, como a ferrovia da Bahia, mas um dia a gente chega até lá. Essas ferrovias vão integrar três grandes portos no Nordeste: Suape, em Pernambuco, Pecém, no Ceará e o novo Porto de Ilhéus. Ou seja, tem investimentos públicos, tem investimentos privados. É uma boa fase para o Nordeste.
Pernambuco passou por um processo de atraso econômico muito forte e sua economia parecia estagnada, não atraía indústrias…
Estava em processo de desindustrialização…
Isso mesmo, mas, de repente, a economia pernambucana deu um salto. A que você atribui essa mudança?
É verdade, Pernambuco deu um salto. São vários os fatores. Em primeiro lugar o estado fez o dever de casa. Criou um porto competitivo, viabilizou infraestrutura num complexo industrial. A Petrobras ajudou muito com novos investimentos. O estado tinha potencial e passou 30 anos criando uma infraestrutura competitiva. Agora está colhendo os frutos.
Muitos atribuem essa mudança ao governador Eduardo Campos, que é muito bem avaliado.
O segundo mais bem avaliado do país.
Foi então capacidade do governador que gerou a mudança?
Veja, Pernambuco tem potencial, os investimentos não vieram apenas pelos belos olhos do governador, mas não há dúvida que ele estabeleceu um ambiente favorável à atração de investimentos. Ele é economista, tem experiência administrativa e fez um trabalho de captação de novos investimentos. Nomeou um Secretário de Desenvolvimento Econômico, Fernando Bezerra Coelho, (ex-prefeito de Petrolina) experiente e preparado. Enfim, foi uma feliz coincidência que juntou potencial com capacidade administrativa. Além disso, o governador conseguiu a aproximação com vários grupos políticos. Pernambuco era um estado fraturado politicamente, era uma balde de caranguejos, como se diz: quando um subia, outro puxava para baixo. O governador Eduardo Campos soube unir o estado em torno de objetivos.
E qual o setor líder da economia de Pernambuco hoje?
A indústria é o novo eixo do desenvolvimento. E vale lembrar que no final do século XX a indústria têxtil pernambucano desapareceu, sobrou a confecção informal em Caruaru e Santa Cruz do Capibaribe. Mas com os novos investimentos a indústria têxtil está voltando, uma nova geração da indústria têxtil, baseada no aproveitamento de fios sintéticos, na petroquímica. Mas os outros segmentos vão bem. Petrolina foi um pouco afetada pela crise, mas a produção de frutas e vinhos vai bem. A atividade de serviços é grande no Estado, temos um pólo importante de Saúde, Educação e os serviços especializados estão crescendo. O turismo também está crescendo.
E a Sudene. Qual o seu papel nesse novo ciclo?
Nenhum. A Sudene avançou pouco, por conta de vários fatores.
Durante muito tempo dissemos aqui na Bahia que não adiantava o Nordeste ter uma política regional, que a região só seria prioritária quando as políticas nacionais privilegiassem a região. Ao que parece esse tempo chegou.
A Sudene ficou presa naquela idéia de política regional e se acomodou. Ela precisa ser repensada, mas um dia ela vai voltar.
Quais os desafios do Nordeste para o futuro?
O grande desafio é participar do que vem por aí. O Brasil vai se tornar nas próximas décadas um país importante no mundo, no cenário industrial, na produção de alimentos e na produção de energia limpa. Além disso, seremos importantes no petróleo, na última fase da exploração, com o pré-sal. O desafio do Nordeste é participar de tudo isso. O pré-sal, por exemplo. O Brasil não pode ser apenas um exportador de petróleo bruto. Temos que usar o petróleo do pré-sal para dinamizar a indústria, para estabelecer desdobramentos internos. Temos que estabelecer internamente desdobramentos para frente e para trás da produção petrolífera. E o nordeste tem de participar, através dos derivados de petróleo, da petroquímica e aí a Bahia e Pernambuco podem participar e também os encadeamentos para trás, pois vai ser necessário maquinas equipamentos, navios, tudo para a exploração do pré-sal. Claro, teremos as recitas públicas diretas, os fundos que devem ser distribuídos para todos os estados, para melhorar a educação, a saúde, mas também precisamos participar do processo industrial. Pernambuco, por exemplo, está atraindo uma empresa produtora de sondas. Temos que disputar os desdobramentos, senão os benefícios do pré-sal ficarão no Sudeste, onde estão as jazidas e ficaremos só com a receita pública gerada.
* Tânia Bacelar é economista e socióloga. Foi secretária de Planejamento e da Fazenda do governo Miguel Arraes (1987-90) em Pernambuco, e assesora do Ministro Ciro Gomes, no Ministério da Integração Regional.
Publicado no site Ceplan-Consultoria Econômica e Planejamento em 2/11/2009