Samuel Pinheiro Guimarães assume Secretaria de Assuntos Estratégicos
Redação – Carta Maior
O secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, assume nesta terça-feira (20) a chefia da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República. O órgão está interinamente sob o comando de Daniel Vargas desde a saída de Mangabeira Unger, em junho. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva dará posse a Guimarães em uma cerimônia no Palácio do Itamaraty. Criada em julho de 2008, a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) tem como finalidade formular políticas públicas de longo prazo para o desenvolvimento nacional.
Formado na tradição do Itamaraty, reforçada pela gestão do chanceler Azeredo da Silveira (1974-1979), Samuel Pinheiro Guimarães é conhecido por suas posições em defesa de um projeto de desenvolvimento nacional e da integração sulamericana. Em 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foi afastado de suas funções do Ministério das Relações Exteriores, pelo então chanceler Celso Lafer, por suas posições contra a proposta de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Com o governo Lula, Guimarães retomou posição de destaque na formulação da política externa brasileira.
Algumas das principais idéias do novo secretário de Assuntos Estratégicos podem ser encontradas no livro “Desafios brasileiros na era dos gigantes” (Editora Contraponto), lançado em 2006. Trata-se de um detalhado volume sobre os impasses do desenvolvimento brasileiro no conturbado cenário internacional pós-queda do muro de Berlim. Didaticamente, o embaixador aponta um a um os diversos projetos em conflito na definição dos rumos do país, buscando fazer um livro quase enciclopédico. São ao todo 12 ensaios, versando sobre os grupos em disputa pelo poder, as causas estruturais das dificuldades internas, como o desemprego, as más condições de vida e a violência, o papel do Estado e suas relações com as diversas modalidades do capital, o território, as estratégias econômicas e políticas de desenvolvimento e suas implicações culturais e sociais.
Não faltam críticas a saídas como a Alca e propostas de liberalização comercial no âmbito da OMC, que “visam a desregulamentar as atividades econômicas na periferia (…) com o objetivo de impedir que os Estados executem políticas ativas de desenvolvimento”. Neste sentido, o livro é também um contundente libelo contra o neoliberalismo e as políticas de livre movimentação de capitais, desregulamentação e abertura comercial. Com base nisso, ataca as políticas de dependência tecnológica e suas dramáticas conseqüências no nível de emprego e direitos trabalhistas.
“Durante o período que se inicia em 1990, o Brasil foi convencido de que, na era da globalização, o que valia era o capital, sua eficiência e sua competitividade, que a preocupação com o emprego (…) era antiquada e desnecessária, enquanto que o Estado e a soberania seriam relíquias de um passado ruim. Na base de tudo, estaria o capital – sem pátria, abundante, progressista e capaz de tudo resolver -, desde que fosse tratado sem distinções e que não se colocassem restrições aos seus movimentos de ingresso e de saída”.
Guimarães defende que é impossível pensar a política externa sem levar em conta as características internas do Brasil. “As questões que atormentam o quotidiano dos brasileiros – ignorância, pobreza, violência, poluição, racismo, corrupção, arbítrio, mistificação, desemprego, miséria e opulência – são manifestações de extraordinárias disparidades, das crônicas vulnerabilidades e do desigual subdesenvolvimento que caracterizam a sociedade brasileira”. Para ele, as vulnerabilidades externas “estão intimamente vinculadas às disparidades internas e aos processos de concentração de poder que as criam a agravam”.
Ele as divide as vulnerabilidades externas em algumas esferas centrais: econômica, política e militar. As primeiras se manifestam “pela concentração ainda elevada da pauta exportadora em produtos primários e semi-elaborados”. No âmbito financeiro, “o crônico endividamento externo (…) é permanentemente estimulado (…) como forma de disciplinar as políticas domésticas”.
Em terceiro lugar, Guimarães coloca que “a vulnerabilidade política e militar decorre da inexistência ou insuficiência de produção de material bélico e de pesquisa tecnológica na área de armamentos; da convicção ideológica por parte de certas elites da escassez de poder do Brasil e da conseqüente (…) necessidade de alinhamento político e, finalmente, do complexo de inferioridade político-militar, de natureza e origem colonial, que inclui o medo do pecado mortal que é, para uma colônia, ter armas”.
Após realizar um amplo e detalhado diagnóstico desses temas, Guimarães aponta quais seriam os principais desafios da sociedade brasileira:
1. “A eliminação gradual, porém firme e constante de suas disparidades internas”. Estas se referem à “concentração de renda e de riqueza; à privação e alienação cultural; ao acesso à tecnologia; à discriminação racial e de gênero ilegais, mas reais; à política, pela impudente e decisiva influência do poder econômico”, nas esferas regional e social;
2. “A eliminação das crônicas vulnerabilidades externas”, nos campos econômico, tecnológico, político, militar e ideológico;
3. “A realização de seu potencial econômico, político e militar”.
Segundo o livro, o enfrentamento positivo desses três desafios colocará o Brasil como uma das principais grandes potências, o que “afetará a correlação de poder em nível americano e mundial”. Nesse quadro, torna-se necessária uma articulação sólida entre Brasil e Argentina, no âmbito do Mercosul e de outros espaços de integração sulamericana.
Publicado na Agência Carta Maior em 20/10/2009