“(…) E a voz de Paul Robenson separou-se do silêncio”.
Neruda

Eles diziam que os rios são as veias do continente. Uma raça de cobre e relâmpago. Diziam também, que os ventos, uma vez libertados das cordilheiras azuis da Patagônia, haveriam de percorrer o dorso do continente em busca do sol. E extrair da pedra e das alturas de Tucumán, a voz impossível da Pacha Mama: a voz mineral de Mercedes Sosa.

“(…) E a voz de Paul Robenson separou-se do silêncio”.
Neruda

Eles diziam que os rios são as veias do continente. Uma raça de cobre e relâmpago. Diziam também, que os ventos, uma vez libertados das cordilheiras azuis da Patagônia, haveriam de percorrer o dorso do continente em busca do sol. E extrair da pedra e das alturas de Tucumán, a voz impossível da Pacha Mama: a voz mineral de Mercedes Sosa.

Hoje, regressa à cinza e ao silêncio, essa voz. Como se retrocedesse ao dia da criação concebido por Neruda ao ouvir pela primeira vez a voz de Paul Robenson. Regressa à terra para amamentar os segredos da terra. Para oferecer a eles a possibilidade do vôo e do ouvido aberto que acolhe a canção como um bálsamo, como o porto acolhe o cansaço do náufrago.

Anoitecera o continente e a voz de Mercedes Sosa nos banhava “com os leites minados da lua” para lavar a dor de cada um e reacender “a metade humana que combate…” e tecer com outras vozes a manhã que se esquivava. Aqui, com Milton, com Chico, com Beth Carvalho, com Fagner, com tantos… voltava docemente, vigorosamente nosso olhar para a América profunda, tão próxima e tão distante.

Ensinou-nos, aos brasileiros, a olhar com reverência e respeito para a complexa e rica expressão cultural que se produzia, no continente, ao alcance dos nossos olhos, da nossa sensibilidade, do nosso coração. Comoveu-nos com a palavra de Violeta Parra, Tejada Gómez, Ariel Ramirez, Victor Jara… E com isso abriu os olhos de uma geração para outras expressões culturais: a poesia, o magnífico romance hispano-americano, o teatro… educou-nos. Tornou-nos mais identificados com os povos originários, com todos os povos oprimidos pela exploração colonial, tornou-nos mais latino-americanos e por isso mais humanos.

A presença de Mercedes Sosa entre nós se deu num momento, como poucos na história, em que não cabia dúvida sobre o nosso destino comum de continente oprimido e tenaz. Anoitecera o continente inteiro. E a voz de Mercedes Sosa anunciava manhãs. Como um fio de cobre cerziu a prodigiosa diversidade musical deste continente, espero, para sempre.

Pedro Tierra é poeta. Membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.