Políticas LGBT: São Paulo na retaguarda, por Julian Rodrigues
São Paulo é o maior estado do Brasil. O mais populoso, o mais rico, aquele no qual a sociedade civil organizada tem muita força. Aqui temos um vigoroso movimento LGBT, sendo que nossa capital sedia a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo.
Mas, é imperioso constatar: São Paulo não está na vanguarda quando o assunto é assegurar direitos da população LGBT e construir políticas afirmativas de combate à homofobia e promoção da diversidade sexual.
A Conferência Estadual LGBT, ocorrida em abril de 2008, apontou uma série de diretrizes para a atuação do Governo Estadual. Um verdadeiro programa de ação que orientava o poder público a romper o marasmo e pagar a dívida histórica que o Estado e a sociedade paulista têm com a população LGBT, historicamente discriminada.
No final do ano passado, o movimento organizado, por meio do Fórum Paulista LGBT, solicitou uma conversa com o secretário de Justiça e Defesa da Cidadania, com o intuito de debater o cenário pós-conferência. Ou seja, propunha-se um diálogo para encontrar caminhos para tirar do papel o que fora pactuado entre governo e sociedade civil.
Depois de alguma insistência, representantes do movimento foram recebidos pelo secretário Luis Antonio Marrey, no final de janeiro de 2009. Em uma conversa respeitosa e produtiva, o representante governamental se comprometeu com algumas reivindicações, sendo a principal delas a criação de uma estrutura administrativa destinada especificamente a tratar das políticas para a população LGBT.
Assim, em 18 de fevereiro de 2009 é criada a Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual, vinculada à Secretaria de Justiça. Um mês depois, toma posse o novo coordenador, Dimitri Sales. A criação de uma coordenadoria estadual foi, sem dúvida, um fato importante. Entretanto, esta era apenas uma das reivindicações do movimento LGBT cujo anseio maior é ver que as coisas comecem a funcionar.
Uma agenda política ignorada – Nossa pauta básica consiste num tripé: a criação de um órgão governamental, a instalação de um Conselho LGBT (no qual a sociedade civil tenha voz e exerça o controle social) e a elaboração de um plano estadual de políticas LGBT (que oriente e organize a atuação do governo estadual).
Tal como foi estabelecida, isto é sem dispor de recursos humanos e sem orçamento, a Coordenadoria de Políticas da Diversidade Sexual não muda em nada o quadro concreto de ausência de ações efetivas. A título de comparação, o Governo Federal lançou, em maio de 2009, um Plano Nacional de Direitos Humanos e Cidadania LGBT, consolidando as propostas aprovadas na Conferência Nacional, delegando responsabilidade ao conjunto dos Ministérios e estipulando prazos para as ações.
Em São Paulo, ao contrário, até hoje não foram sequer publicadas as resoluções aprovadas na Conferência Estadual! Até onde sabemos, não há nenhuma iniciativa que aponte para a definição de um plano estadual, articulado e abrangente, instituindo ao menos os pontos principais daquilo que foi deliberado na Conferência.
Mais ainda, a idéia de um Conselho Estadual LGBT parece totalmente fora da pauta do Palácio dos Bandeirantes. Enquanto em Brasília já se debate a composição e detalhes do Conselho LGBT, aqui não há nenhum indício do desejo de se instituir esse espaço fundamental de participação do movimento social na proposição e implementação das políticas públicas.
Sem diálogo com o movimento social – O que mais chama a atenção dos ativistas, contudo, é a falta de um diálogo orgânico e sistemático com o movimento social, desde que a Coordenação LGBT Estadual foi criada, em março deste ano. Fica a impressão de que não se quer ouvir as demandas expressas livremente pela sociedade civil organizada. A despeito da presença do coordenador em diversos eventos, como competente palestrante, o fato é que não houve, até o momento, nenhuma iniciativa de discussão franca e aberta com os representantes da população LGBT.
Não temos a menor ideia de como o governo tem pensado as questões, o que considera prioritário, quais são as dificuldades, enfim não se tem um plano ou cronograma. Foi por isso que o Fórum Paulista LGBT elencou um rol urgente de pendências e cobrou nova conversa com o secretário de Justiça. Nesta pauta, constava a necessidade de publicação imediata das resoluções da Conferência Estadual, a reivindicação de implantação do Conselho LGBT, a proposta de reconhecimento do nome social das pessoas travestis e transexuais nos serviços públicos e a construção do plano estadual de combate à homofobia de São Paulo.
Em resposta a essa solicitação, numa clara atitude de desprestigiar o movimento LGBT, o secretário Marrey afirma que nosso movimento, a partir de agora, deve dialogar apenas e diretamente com o terceiro escalão do governo, por meio da coordenação de políticas para diversidade sexual. Como não nos fazemos de rogados, o Fórum Paulista LGBT deliberou, então, convocar o coordenador Dimitri Sales para a próxima reunião, onde ele possa afinal dizer a que veio e o que anda fazendo o governo bem como o que o poder público estadual pretende fazer para a população LGBT até 2010.
São Paulo na retaguarda – Para entender o porquê da indignação do movimento paulista, é inevitável comparar o que vem sendo feito em outros Estados, onde as coisas são muito mais difíceis. Em um panorama rápido: no Pará, já existe há algum tempo uma Coordenadoria LGBT e a Secretaria de Educação reconheceu o nome social das pessoas trans. Idem no Piauí. Em Goiás, um Conselho LGBT foi instituído e o Conselho Estadual de Educação já debateu a questão do nome social. Na Paraíba, além de uma delegacia especializada para a população LGBT, as travestis e transexuais acabam de ter seus direitos reconhecidos. No Acre, a Secretaria de Educação recebeu o movimento organizado para ouvir suas demandas.
Minas Gerais tem um Centro de Referência mantido pelo Governo Estadual, e, aos trancos e barrancos, as entidades têm cobrado por ações oficiais. Mas o grande exemplo a ser seguido é o Rio de Janeiro. O governador Sergio Cabral nomeou Cláudio Nascimento, um reconhecido ativista LGBT, como superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos junto à Secretaria de Assistência e Direitos Humanos. Lá já existe o Conselho LGBT, com ampla participação do movimento, conta-se com o Plano Rio Sem Homofobia, está em andamento à implantação de Centros de Referências em todo o Estado, além de dezenas de outras iniciativas cotidianas de combate à homofobia, inclusive no âmbito das Secretarias de Educação e Segurança Pública.
Em São Paulo, para além da comissão processante que julga as denúncias baseadas na lei Renato Simões(Nº 10.948/01) – que nunca foi devidamente divulgada pelo governo – e do novo ambulatório específico para travestis e transexuais, não se pode dizer que exista uma política organicamente enraizada e efetiva. Não temos um conselho LGBT, não temos um plano estadual de combate à homofobia, não temos políticas de promoção da diversidade na escola, não temos capacitação sistemática para os funcionários públicos estaduais. Por isso, vale insistir: a coordenação de políticas de diversidade sexual já tem seis meses, mas em momento algum chamou o movimento LGBT para conversar. Aliás, foi sintomático que, no ato da posse, a militância LGBT presente sequer tenha sido anunciada pelo cerimonial…
Ainda mais decepcionante é que, até agora, não houve nenhuma movimentação para que as pessoas travestis e transexuais tenham seu nome social reconhecido, como já está acontecendo em vários outros locais. É preciso romper a inércia, e com urgência. Chega de São Paulo passar vergonha quando o assunto são as políticas LGBT. Está na hora de intensificar a pressão e cobrar publicamente o governo. Afinal, temos a maior Parada LGBT do mundo e realizamos dezenas de Paradas no interior. Somos articulados em muitos grupos e enraizados em todas as regiões. O Governo Estadual precisa ouvir nossas demandas e começar a trabalhar pela cidadania LGBT. Chegou a hora da verdade: não dá mais para esperar.
Julian Rodrigues, ativista gay, é membro do Corsa (SP) e do Fórum Paulista LGBT
Publicado no Portal PT em 17/9/2009