Brasil – Segurança pública, defesa da vida
Ronaldo Teixeira da Silva, mais conhecido por Nado, Chefe de Gabinete do Ministro da Justiça, Tarso Genro, contou uma história em painel da 1ª Conferência de Segurança Pública (CONSEG), com participação de cerca de 3000 participantes de todo país: "Dona Ivonete, diarista, mãe do Manoel, um jovem negro, não conseguia atender um grande desejo de seu filho. Manoel queria uma bola de basquete. Ela sofria muito com isso, temendo que, como não podia atender um simples pedido de seu filho, ele de repente fosse seduzido por companhias que o levariam a um mau caminho. Um dia, Manoel viu a bolsa da mãe no sofá e não resistiu: tirou o dinheiro que tinha dentro dela. Foi no mesmo dia em que dona Ivonete pegou do dinheiro que recebe do PROTEJO (Projeto de Proteção dos Jovens em Território Vulnerável), dado a jovens pobres que moram nos Territórios de Paz do PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), e num esforço extra conseguiu comprar uma bola de basquete. Entregou-a ao filho. Manoel rasgou o papel do pacote e lá estava a bola de basquete… de plástico. Ficou decepcionado, mas na hora não falou nada. Horas depois, ele chama a mãe e fala: Obrigado. E eu te devolvo o dinheiro que eu tinha tirado da sua bolsa. Mãe, nunca mais roubo ninguém."
Esse é o resultado, disse Ronaldo, de um Programa de apoio a famílias e jovens pobres das periferias, por muitos chamado de assistencialista. Os resultados que este e outros programas semelhantes como o Bolsa Família produzem é a história verídica da dona Ivonete e do seu filho Manoel.
No mesmo debate, Paulo Vanucchi, Ministro da Secretaria dos Direitos Humanos, lembrou que o Brasil começou com o massacre de 5 milhões de índios. Depois, passou pela escravidão e massacre de milhões de negros, tirados à força de sua terra e tornados escravos. No século XX houve duas ditaduras, onde a tortura era tolerada, senão permitida, às vezes estimulada, existindo até hoje como se vê em tantos exemplos e histórias recentes. Ou seja, a democracia brasileira nasceu sob o signo da violência e da exclusão econômica, social, política e cultural. A visão de segurança pública e do aparelho repressor é fruto e está impregnada, em todos os níveis, por estes acontecimentos históricos.
Não foi por outro motivo que o presidente Lula, na abertura, afirmou que a Conferência da Segurança Pública, junto com a de Comunicação, a realizar-se em dezembro, eram as duas mais importantes e significativas. Disse o presidente: "Para mim este é um dia histórico. Essa Conferência e a de Comunicação ganham para mim uma importância excepcional. Ela pode significar a criação de um novo patamar da discussão sobre segurança pública em nosso país."
A CONSEG consagrou duas palavras: prevenir antes de reprimir. Antes da repressão do aparelho de Estado, é preciso construir mecanismos, instrumentos de prevenção com a participação ativa da comunidade e dos órgãos públicos responsáveis pela segurança pública em todos os níveis de governo e de Estado.
A segurança pública, especialmente num país como o Brasil, com seu tamanho, sua geografia, suas grandes regiões metropolitanas e sua história, deve ser vista como direito, assim como o são a educação, a saúde, a segurança alimentar e nutricional.
Por isso, Ronaldo Teixeira falou, certamente expressando o pensamento dos 3000 representantes de governos e da sociedade civil presentes e participantes, que a CONSEG era uma celebração. No plenário, nos corredores, nos grupos de trabalho, no cafezinho, encontravam-se e conversavam entre si, confraternizavam ou discutiam pontos divergentes, defendiam suas idéias e propostas os membros das polícias civis e militares, das polícias estaduais e federais, os bombeiros, o Ministério Público e os órgãos de Justiça, o movimento sindical e os movimentos sociais do campo, os movimentos populares urbanos, as pastorais e membros das igrejas, os movimentos de direitos humanos.
Agora, é trabalhar para que a celebração produza seus frutos. É estimular um novo espírito de convivência, o respeito a todos os cidadãos e cidadãs na sua diversidade cultural, étnica, sexual, de pensamento, de experiência de vida. A 1ª CONSEG certamente contribuiu, com a participação direta e indireta de mais de 500 mil brasileiros e brasileiras, para a construção e a vivência de uma cultura de paz. Não bastam crescimento econômico e melhor distribuição de renda, se não vierem acompanhados de mais qualidade de vida e do efetivo exercício da democracia participativa e direta, da garantia de que todos e todas tenham direito a vez e voz sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito, seja vindo da sociedade, seja vindo dos aparelhos de segurança pública ou do Estado.
A CONSEG foi, e o que nela aconteceu continuará sendo, um exercício prático de democracia. Para o bem do Brasil e para mudar a sua história de marginalização, violência, discriminação e criminalização da pobreza, da juventude, dos movimentos sociais e seus defensores. Segurança pública é um direito a ser assegurado a todos e todas, valorizando e fortalecendo a cultura de paz. Ainda há um longo caminho a percorrer, mas os passos necessários estão sendo dados.
Selvino Heck – assessor Especial do Presidente da República do Brasil
Artigo publicado no site da Adital – Agência de Informação Frei Tito para América Latina