Seminário internacional: Reações frente à crise – EUA, Europa e as instituições internacionais
Seminário Internacional sobre a Crise Mundial realizado nos dias 20 e 21 de junho, em São Paulo, promovido pelas fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois e do PT e do PCdoB.
Seminário Internacional sobre a Crise Mundial realizado nos dias 20 e 21 de junho, em São Paulo, promovido pelas fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois e do PT e do PCdoB.
O papel hegemônico dos EUA na economia mundial está combalido, mas não será extinto com o governo de Barack Obama, o que trará mais turbulência nas relações internacionais. Essa foi a linha mestra da apresentação do cientista político Luís Fernandes, professor da PUC/RJ e presidente da FINEP, no painel Reações frente à crise: EUA, Europa e as instituições internacionais, que também contou com a participação de Sérgio Ribeiro, do PC de Portugal, e de Nelson Barbosa, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (Brasil).
Fernandes resgatou os fundamentos da política hegemônica norte-americana nos últimos 60 anos, que oscilou entre o multilateralismo, com acordos internacionais garantindo a estrutura capitalista mundial liderados pelos EUA – iniciado após a 2ª Guerra Mundial e o unilaterialismo que colocou a política ofensiva norte-americana acima dos compromissos internacionais, com a intervenção militar no Afeganistão e no Iraque, a propagação da guerra contra o terrorismo e a constante política de inibir a formação de pólos regionais econômicos, pontos exacerbados na agenda da política internacional de George W. Bush. Segundo o professor, neste período Bush a postura unilateral “gerou um isolamento político sem precedentes dos EUA”, que não conseguem mais impor suas prerrogativas nos organismos multilaterais, agora compostos também por países que fortaleceram suas economias internas e com a crise financeira gerada na própria estrutura econômica-financeira norte-americana.
Na avaliação do cientista político, o governo Obama tem sinalizado com mudanças na política externa, expressas nos canais de comunicação com interlocutores regionais, para minimizar o confronto à hegemonia dos EUA. “O reconhecimento das derrotas no Iraque e no Afeganistão, no entanto, deixa o território iraquiano em descontrole, mas mantém sob intervenção o território afegão. Em Cuba, avança em temas pontuais, mas não anuncia o fechamento do campo de Guantanamo”, exemplifica Fernandes.
Ao responder às perguntas dos participantes, o professor concluiu que “a tendência dos EUA em manter a hegemonia numa base que está erodindo tende a gerar ações protecionistas mais fortes o que provocará uma série de turbulências no mundo. “Tratar de alternativa ao dólar é fundamental para esse século XXI”, afirmou.
A União Européia – respostas de classe para a crise
O economista Sérgio Ribeiro, membro do Partido Comunista Português apresentou uma análise do impacto da crise na União Européia, dividida de forma didática em três níveis de reação política como estágios da relação das forças de classe implícitas divididos em: planetário, regional e nacional. Ribeiro explicou, de forma sucinta, o desenvolvimento das forças produtivas e a ligação intrínseca com as relações sociais dentro do capitalismo que começou com a troca de mercadorias por mercadorias, passou pela troca com a intermediação do dinheiro, estágio que foi potencializado pela troca de dinheiro sem produção que atenda às necessidades sociais. “Sendo vital a criação e a apropriação da mais-valia, são os inevitáveis limites da realização de mais dinheiro, pela evolução da composição orgânica do capital e pela baixa tendencial do lucro, que estão na base da crise do capitalismo e foi a tentativa de sua ultrapassagem que levou à demencial ‘financeirização’ com os dois circuitos – o real e o monetário-creditício – cada vez mais afastados, perdendo (assim) sua correlação genética, porque o segundo – o monetário-creditício – nasceu, e deveria ser, apenas, instrumental do primeiro – do circuito real, para as trocas, para a circulação do que foi criado pelo trabalho, vivo ou já cristalizado, para satisfazer necessidades sociais”, destacou.
A formação da União Européia vem de um processo histórico de respostas das relações sociais (de classe) a problemas “objetivos”. As nações européias concretizaram grupos regionais econômicos após a 2a Guerra – os primeiros foram os países com governos socialistas como o Comecon – e sua contrapartida capitalista, o Mercado Comum, tutelado pelos EUA. “Às apalpadelas”, segundo Ribeiro, o processo de união econômica – acordos comerciais – foi atingindo grande parte dos países europeus durante os anos 60 e 70, até a crise do petróleo e a inconvertibilidade do dólar – houve a configuração de uma integração européia com um centro de “países ricos” e uma periferia – “países pobres”, organizada numa macroestrutura federalista neoliberal. “É no final da década de 70 do século XX que, ao mesmo tempo em que o neoliberalismo surge como saída para essa manifestação de crise do capitalismo, com a Escola de Chicago, o monetarismo e Friedman a prevalecerem, e no processo de integração capitalista europeia se dá um passo de grande significado: a eleição por sufrágio direto, em cada Estado-membro, dos deputados para o Parlamento Europeu.” Posteriormente, Grécia, Espanha, Portugal aderiram à UE, assim como os países do leste europeu, após o declínio dos governos socialistas (comunistas) ao longo dos anos 1990. “Erigiu-se a economia de mercado como absoluto, tudo privatizando, mercadorizando os serviços públicos”, ressaltou o economista.
O efeito da crise pode ser sentido diretamente nos Estados europeus com o agravamento das desigualdades sociais e regionais, com o desemprego e exclusão “gritantes”, além do endividamento das famílias, após a oferta de crédito, levando-as ao empobrecimento futuro. As respostas estruturais, mais uma vez, são de classe, afirma Ribeiro, ao mostrar que as medidas anticrise priorizam o sistema financeiro. “A única resposta efetiva, de classe só pode ser a de continuação da luta dos povos nos seus espaços, e tão coordenada possível, por um outro patamar nas relações sociais, correspondendo ao estágio de desenvolvimento das forças produtivas, cada vez mais sociais, isto é, pelo socialismo.”
Regulamentação e novos protagonistas nos organismos internacionais
Os organismos internacionais como o G20, Banco Mundial, e Fundo Monetário Internacional (FMI) correm atrás do prejuízo nesta etapa da crise financeira mundial, afirmou o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa ao apresentar o painel sobre o tema, no sábado à tarde. Em 2005, estas instituições não deram a devida atenção ao estouro da bolha imobiliário nos EUA – que fomentou a atual desestruturação financeira global.
Segundo Barbosa, a crise levou o G-20 a mudar o discurso – e a prática – da autoregulamentação do mercado, postura impensável há poucos anos. Os líderes definiram o mercado deve ser mais regulado, com a padronização dos contratos financeiros, com um movimento de redução de alavancagem e de requerimento de capital. “Eu acho que um dos principais motivos desta crise não é baixa taxa de juros dos EUA, nem o excesso de consumo, isso contribuiu para a crise, mas na raiz dela está a desregulação finaceira que foi feita nos EUA no final dos anos 90 e no início dos anos 2000, que permitiu uma alavancagem maior das instituições financeiras”, destacou.
Outro ponto desta pauta anticrise que está sendo encaminhado é a limitação a compensação de executivos, mecanismo que garante ao administrador financeiro ganhos sobre os negócios fechados. Barbosa explica que no caso do “subprime”, os executivos ganhavam sobre o volume e não sobre a viabilidade das operações. Essa restrição é enfatizada pelos BRICs, União Européia, mas sofre resistência por parte dos EUA. Neste pacote há uma iniciativa de combater os paraísos fiscais e a evasão de divisas.
Quando a crise tomou proporções globais – e os “estragos” foram conhecidos nos últimos seis meses – o G-20 se reuniu em Londres e a preocupação maior era combater a recessão com políticas monetárias e fiscais nacionais, além da geração de liquidez para evitar o colapso do comércio internacional – ameaça provocada pela contração de crédito em vários países. Neste contexto, a saída foi a injeção de US$ 1 trilhão no FMI e incentivar as instituições internacionais a colocar mais dinheiro nos países para estimular a movimentação comercial e financeira.
A entrada de recursos no Fundo Monetário Internacional trouxe o organismo ao centro das atenções mundiais, explicou Barbosa. Antes da crise explodir, o Fundo estava sem um papel relevante no cenário de investimentos, devido as mudanças de políticas-econômicas dos países que no passado recente recorriam aos seus empréstimos. Essa ressureição mostra que o Fundo é ainda o organismo mais adequado para lidar com problemas financeiros e de créditos, segundo o secretário.
Outro desafio, ressaltado pela crise, é a reforma do sistema financeiro internacional. Segundo o secretário, há um temor que haja a desvalorização do dolar no futuro próximo – como já aconteceu em outros momentos do passado, por exemplo nos anos 1970 com o fim do padrão ouro e a ruptura do padrão monetário. Esse medo ganha força neste período com a diversidade de países com economias fortes, que estão fora do G-8. “Essas discussões (sobre a mudança de padrão monetário internacional) estão sendo encaminhadas bem lentamente, até porque se quando houver uma mudança no padrão, ela não vai ser súbita. Mudanças súbitas de padrão monetário internacional só ocorrem após guerras”, explica Barbosa.
De acordo ainda com o economista, não há uma moeda alternativa ao dolar, ainda que haja economias fortes como a China – mas neste país ainda não há um mercado consolidado que garanta contratos. “O euro poderia ser uma alternativa, mas os europeus ainda não deram o passo final que é a criação de um novo tesouro nacional.” E conclui que o dólar ainda permanecerá como referência internacional, mas os EUA terão que ouvir os apelos de outros países sobre sua moeda.