Quando os historiadores escreverem sobre a crise atual, provavelmente eles apontarão a reunião do G-20 em Londres como seu relevante ponto de inflexão. Com efeito, o G-20 mostrou ao mundo a luz no fim do túnel e restaurou parcialmente a confiança. Fez o que não foi feito na crise de 1929, quando o planeta cedeu ao protecionismo e à inércia.

Contudo, as acertadas medidas tomadas na reunião do G-20 terão efeitos diferenciados nas economias. As principais economias do mundo – Estados Unidos, União Europeia e Japão – estão no epicentro da crise. Entraram nela primeiro e tiveram seus sistemas de crédito extremamente afetados pela imensa pirâmide financeira. Mesmo após múltiplas medidas de saneamento, os ativos tóxicos continuam presentes nos bancos, especialmente nos EUA, o que mantém cenário de incerteza. Há também o grave problema dos déficits públicos assumidos para enfrentar a crise. Incluídas as garantias bancárias, os déficits nos EUA e na União Europeia chegam a 26% do PIB, pesado fardo que terá como consequências pressão inflacionária e alta dos juros no pós-crise.

Além disso, há desequilíbrios estruturais que terão de ser enfrentados. Nos EUA, a desterritorialização da produção industrial e a queda de competitividade de setores estratégicos, como o da indústria automobilística, se contrapuseram a um padrão de consumo que só podia se sustentar com base num sistema de crédito incompatível com os requisitos de Basileia e na absorção voraz de capitais do exterior, especialmente da China. Esse desequilíbrio está na origem da crise e seu enfrentamento imporá padrão de consumo mais modesto e retomada lenta.

Na União Europeia, a retomada enfrentará as tradicionais barreiras dos gastos necessários para manter o alto padrão social europeu, assim como um novo e formidável obstáculo: o passivo do Leste Europeu. As economias do leste da Europa fizeram muitas dívidas em euro e francos suíços e têm forte dependência relativamente às exportações e aos capitais externos. Com a contração do comércio mundial e dos investimentos, não têm mais como pagar suas dívidas em moeda forte. Estão na mesma posição em que estavam os países da América Latina há uma década. Já o Japão, que nunca se recuperou totalmente da crise dos anos 90, também é forte candidato a uma retomada penosa e lenta.

Em contraste, países emergentes como China, Índia e Brasil estão em melhor situação. Essas nações, que apresentaram forte dinamismo econômico nos últimos anos, entraram tardiamente na crise e não tiveram seus sistemas financeiros contaminados por bolhas especulativas. As projeções indicam que a China deverá crescer, neste ano, 6,5%. Porém, o crescimento econômico da China ainda depende muito das exportações. Com a queda prevista de 11% no volume do comércio mundial, a China tem como estratégia de contenção usar suas reservas para financiar importações desde países em desenvolvimento. Ela pretende ocupar os espaços deixados pelas economias avançadas e assegurar o fluxo de commodities para a sua economia. Uma nova dependência vem sendo gestada no bojo da crise, inclusive na América do Sul.

No que tange especificamente ao Brasil, o nosso país está, diferentemente de passado recente, bem preparado para enfrentar a crise. Antes, a nossa vulnerabilidade externa fazia que qualquer instabilidade internacional provocasse aumento das taxas de juros, cortes nos gastos públicos e aumento dos impostos, resultando no agravamento da recessão. Não tínhamos como fazer políticas anticíclicas. Hoje, graças ao resgate dos instrumentos de política econômica, o Brasil pode baixar taxas de juros, aumentar gastos públicos e reduzir a carga tributária de modo a diminuir o impacto da crise. Ademais, o Brasil tem características que o diferenciam de outros países. Não temos disputas territoriais ou conflitos étnicos e religiosos. Nossa matriz energética é limpa e produzimos energias renováveis em abundância. Seremos, em breve, exportadores de derivados de petróleo. Nosso desenvolvimento recente escora-se na ampliação do mercado interno impulsionada pela distribuição de renda. Tudo isso fará diferença no cenário pós-crise.

A assimetria da crise deverá aprofundar as mudanças geoeconômicas que favoreceram os emergentes. No entanto, não haverá soluções puramente nacionais para a retomada. A recuperação da economia mundial dependerá da capacidade dos países emergentes articularem suas ações e do êxito das nações avançadas no saneamento de suas finanças. Nada disso é banal ou certo. Temos, porém, uma certeza: nessa crise, o Brasil tem mais oportunidades do que riscos. A assimetria, dessa vez, está a nosso favor.

Aloizio Mercadante é senador (PT-SP)

Publicado originalmente no Jornal do Brasil e republicado
no portal FPA a partir do site da Liderança do PT no Senado Federal