O G-8, grupo dos países mais ricos do mundo, chamou uma reunião agora em abril com uma agenda ambiciosa: apresentar uma nova estratégia mundial para o campo e para os mais de 1 bilhão de famintos do mundo. O resultado, segundo a imprensa, foi quase um fiasco. O G-8 não aceitou fechar uma declaração conjunta entre países emergentes e países ricos. As recomendações feitas pelos emergentes, entre eles o Brasil, sequer foram incluídas na declaração final. Pior: o G-8 admitiu pela primeira vez que a comunidade internacional está a caminho de perder a luta contra a fome e a meta da ONU de reduzir pela metade o número de famintos no mundo até 2015. Entidades internacionais criticaram o encontro, afirmando que apenas serviu para ‘admitir o fracasso total’ dos países ricos em dar uma resposta à fome no mundo.

Segundo a FAO, organismo da ONU que cuida dos assuntos de agricultura e alimentação, o mundo precisaria de US$ 30 bilhões por ano para lutar contra a fome. Os recursos são apenas uma fração dos US$ 1,1 trilhão aprovado pelo G-20 para lidar com a recessão mundial.

Os ministros admitiram que o mundo está ‘muito longe de atingir’ a meta da ONU de reduzir a fome pela metade. É a primeira vez que o G-8 admite oficialmente o fracasso. De acordo com a FAO, a recessão mundial se somará à crise alimentar dos últimos dois anos e vai produzir entre 75 e 100 milhões de novos famintos, passando de 1 bilhão de pessoas com fome.

Segundo a Oxfam, entidade que combate a pobreza no mundo, “o G-8 fracassou diante dos mais de 1 bilhão de famintos. Os ministros fizeram uma extraordinária admissão de fracasso coletivo”. A entidade sugeria que parte dos US$ 125 bilhões em subsídios aos fazendeiros dos países ricos fosse destinada a questões alimentares dos países pobres. Os Estados Unidos e a Europa deram apenas US$ 5,9 bilhões por ano para ajudar a agricultura no mundo.

Há outro problema grave que vem se somar à fome. Nos últimos 5 anos, quase 250 milhões de pessoas foram afetadas por desastres naturais ligados ao clima. As causas são o aquecimento global, a maior concentração de pessoas em áreas precárias, a inabilidade dos governos para lidar com as catástrofes e falhas no sistema de ajuda humanitária.

Diz Jeremy Hobbs, Diretor-Executivo da Oxfam Internacional: “Apesar de haver um aumento na quantidade de eventos relacionados ao clima, a pobreza e a indiferença política é que fazem de uma tempestade um desastre.” As maiores vítimas em potencial são os moradores de grandes favelas e conglomerados urbanos de baixa renda. Em 2030, segundo a ONU, eles deverão representar 2 dos 5 bilhões de habitantes de zonas urbanas. Assim, diz Kátia Maia, da Oxfam Brasil, “a ameaça do futuro é a combinação letal entre o crescente número de desastres e a pobreza e desigualdade, que tornam as pessoas ainda mais vulneráveis”.

Parece que a crise econômico-financeira mundial continua não sensibilizando quem a produziu e é seu responsável. Como sempre na história, ninguém abre mão de seus privilégios. Sequer, mesmo perdendo os anéis, ou alguns deles, está preocupado em, quem sabe, também vir a perder os dedos.

Como sempre na história, os pobres do mundo e os trabalhadores precisam conquistar seus direitos à base da mobilização, da luta, do grito, da greve, das ocupações, da consciência. Não há outro caminho e possibilidade.

Aliás, segundo as notícias da imprensa, a reunião interministerial do G-8 quase se transformou em escândalo. O governo italiano, que sediava o encontro, organizou uma série de jantares e almoços, além de festas de gala em um castelo em Treviso. O governo ainda havia reservado meio dia de reuniões para um ‘tour’ de degustação dos produtos típicos da região para os ministros e diplomatas. Com a inconformidade das organizações participantes, Roma mudou a programação. Mas manteve o ‘tour’ de degustação (O Estado, Jantares para discutir a fome, B6, 21.04.09).

Acendeu não apenas a luz amarela, mas a vermelha. Reafirma-se a necessidade e urgência de realizar uma Cúpula Mundial da Alimentação e lançar um Fome Zero mundial em novembro em Roma, proposta de Jacques Diouf, Diretor Internacional da FAO, feita ao presidente Lula e contando com seu apoio.

A crise e suas conseqüências, se não sensibiliza os ricos, abre a oportunidade de os pobres se levantarem e soltarem seu grito. Os países pobres, como fazem os da América Latina, voltando-se para as necessidades do seu povo com soberania. E a gente pobre, a que trabalha ou tenta trabalhar, a que sua todos os dias para ganhar o pão, a que paga impostos sem saber onde e em benefício de quem são gastos, a que transfere riquezas para os ricos sustentarem sua ostentação e seu luxo.

Não há outro caminho para construir ‘um outro mundo possível’.

*Selvino Heck é Assessor Especial do Presidente do Brasil.