Juca Ferreira: “Discussão da Lei Rouanet visa a democratização dos recursos”
O programa Bom Dia Ministro desta quinta-feira (16) entrevistou o ministro da Cultura, Juca Ferreira, que falou sobre a reforma da Lei Rouanet, atualmente em consulta pública no portal do Ministério. O ministro também apresentou as ações do programa Mais Cultura, que tem como objetivo garantir o pleno direito de produção e de acesso cultural no país. Com duração de uma hora, o programa é produzido pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República e transmitida via satélite a rádios de todo País. Veja os principais trechos.
Lei Rouanet – “A Lei não patrocina apenas os espetáculos de teatro. Na verdade, trabalha com o conjunto da produção, com linguagens artísticas e com outras áreas da cultura que não são diretamente artísticas, mas são igualmente importantes. Infelizmente, o arcabouço legal que regulamenta a disponibilização dos recursos via renúncia fiscal não corresponde à expectativa. A idéia inicial era permitir que o empresariado colaborasse, manifestasse sua responsabilidade social. Nesses 18 anos, só 10% foi dinheiro privado; 90%, dinheiro público. E com uma característica de que não tem regras para a aplicação dos recursos, pois elas são muito genéricas. Então, acabou gerando uma série de distorções, como a concentração excessiva em dois estados: Rio e São Paulo. O resultado desses 18 anos aponta que 3% dos proponentes nesse período captaram mais de 50% dos recursos. Ou seja, são os mesmos de sempre que conhecem o caminho das pedras e têm acesso ao dinheiro. A grande maioria da população brasileira, com suas manifestações culturais em todo o território nacional, não tem acesso. Dinheiro público não pode ser disponibilizado para ampliar a concentração, ampliar a exclusão. A principal motivação da mudança na Lei é exatamente garantir um acesso republicano, ou seja, que todos tenham condições iguais.”
Consulta pública – “A contribuição para mudança na Lei Rouanet não é apenas para os artistas. Está disponível no site do Ministério e da Casa Civil para toda a população brasileira. Muitas contribuições estão vindo das áreas jurídicas, universitárias, acadêmicas e de movimentos populares. Estamos conseguindo atrair para a discussão da modernização do sistema de fomento, incentivo e financiamento à cultura um conjunto grande de brasileiros e recebendo um apoio substancial. A grande maioria dos produtores tem apoiando nossa proposta. Apesar de o Rio ser um dos estados que mais capta recursos através da Lei Rouanet, a baixada fluminense não vê um tostão desse dinheiro, por exemplo.”
Direito autoral – “Aceitamos a crítica de que a redação, no capítulo que tem alguma relação à questão do direito autoral, está malfeita. Vamos fazer uma redação mais precisa, no sentido de garantir que não ocorra nenhuma agressão ao direito autoral no projeto de lei. A gente patrocina um f ilme, um conteúdo audiovisual, um livro, e se quiser usar depois, nas condições atuais da lei, numa escola pública ou biblioteca, terá que pagar de novo. Isso é um escândalo. Então, o que estamos trabalhando não é para ferir a propriedade intelectual, mas sim para garantir o direito patrimonial sobre aquela obra. Por que o que o governo tem que pagar, por que a população, através dos impostos que são arrecadados, tem que pagar de novo por uma obra que é absolutamente patrocinada com dinheiro público? Isso não é justo, isso não é generoso, porque a destinação em escola pública é para uma parte dos brasileiros que, em geral, não tem acesso à produção cultural. Então, a disponibilização para essa população não representa a perda de um centavo sequer. Se é 100% de dinheiro público, a população tem direito. O que estamos propondo é o respeito ao período comercial daquele produto e, depois disso, as escolas tenham acesso. Isso não agride a propriedade intelectual.”
Participação dos estados – “Tem um projeto de emenda constitucional – a PEC 150 -, que prevê um teto mínimo de recursos no plano federal, estadual e dos municípios. Seria, no mínimo, 2% para a cultura no plano federal, sendo 1% para repasse aos municípios no Brasil e aos governos estaduais; e do orçamento dos estados, deveria ser destinado 1,5% para cultura, e no plano municipal, 1%. Além disso, no Ministério, desde que o presidente Lula assumiu, estamos com a idéia fixa – como disse um jornal – de democratizar. Os números culturais no Brasil são escandalosos. Segundo dados do IBGE, apenas 13% dos brasileiros vão ao cinema e uma vez por ano; 92% nunca foram a museus; 78% nunca assistiram a espetáculos de dança; 93,4% nunca foram a alguma exposição de arte; mais de 90% dos municípios não possuem cinema, teatro e espaços culturais. O brasileiro lê em média 1,3 livros per capita/ano, enquanto na França são sete livros e na Colômbia, três vezes mais do que no Brasil. Então não é possível pensarmos que o Brasil terá condições de enfrentar os desafios do século 21 se não garantirmos educação de qualidade e acesso à cultura.”
Discussão – “Tenho ido praticamente em todos os estados para discutir a mudança com artistas, produtores culturais, financiadores, gestores culturais. A proposta tem por objetivo superar todos os entraves que nesses 18 anos a Lei manifestou. A mudança é para democratizar e possibilitar que todo produtor cultural, de qualquer segmento, tenha acesso a esses recursos, que correspondem a 80% do total que o Ministério dispõe para financiar e estimular a cultura. Então, 80% dos recursos estão sob um regime que não corresponde à expectativa da população, dos produtores culturais e não está submetido a padrões republicanos de distribuição, pois permite a ampliação da concentração, da exclusão, e é isso que queremos mudar. Então os dados são muito claros e contundentes.”
Mudança – “Evidentemente, os que conhecem o caminho das pedras e que conseguem o financiamento estão se mobilizando. Imagine que 3% captam mais de 50%. Os recursos do ano passado foram de R$ 1,2 bilhão. Imagine se essas pessoas vão querer perder o privilégio. Infelizmente, no Brasil, privilégio aparece como direito adquirido, e as pessoas pensam que têm direito porque nos últimos 18 anos conseguiram ter acesso de forma exclusiva a esses recursos. A mudança é fundamental. A mídia em geral tem cumprido o seu papel de informar. No sentido de permitir que a população brasileira compreenda o que está em jogo. Eu, pessoalmente e como ministro, considero que é parte do processo de afirmação da democracia no Brasil. Não pode conviver um regime democrático com um grau de concentração e disponibilização desigual de recurso público através de um mecanismo legal.
Estamos modificando a Lei, vamos colocar esses recursos à disposição de toda a produção cultural brasileira, incluindo todos os brasileiros no consumo cultural, e com isso acho que vamos ter um desenvolvimento e um incremento cultural muito grande.”
Críticas – “As críticas, quando são honestas e positivas, são bem recebidas e podem perfeitamente contribuir para o aprimoramento do projeto. Já nos manifestamos que iremos absorver várias das observações que foram feitas sobre o projeto porque representam contribuições positivas. Evidentemente que tem também a contribuição dos que têm acesso e não querem a democratização dos recursos. Esse ano será de R$ 1,3 bilhão. Parte da resistência está tentando criar um clima de medo, de dificuldade para uma discussão democrática sobre o projeto. Então, separo muito bem isso, pois a grande maioria da participação tem sido extremamente positiva.”
Revisão – “Em relação aos cinco anos de revisão da Lei, defendemos a tese dentro do governo de que estávamos adotando no novo projeto, de que es távamos modificando a lei, e não estávamos substituindo a Lei Rouanet por outra. E a Lei prevê a renúncia fiscal. Ela é anterior a essa lei que prevê de que qualquer isenção terá que ser revista de cinco em cinco anos e para permanecer terá que ser reaprovada.”
Vale Cultura – “Dentro da reforma da Lei Rouanet, estamos apresentando um mecanismo que é absolutamente original e novo no Brasil. Vamos financiar o consumo cultural. Estamos criando no bojo dessa reforma o Vale Cultura, que é muito parecido com o vale-refeição. É um bônus de R$ 50 que o trabalhador recebe e só paga 20% (o trabalhador só paga R$ 10 e o resto é compartilhado entre o governo e o empresário). Com esse dinheiro ele poderá comprar um livro, um CD, um DVD, ir ao cinema, ao teatro. Isso vai estimular também a produção.”
Bibliotecas – “Em 2003, eram mais de dois mil municípios sem biblioteca no Brasil. Estamos fazendo um esforço e hoje são menos de 600 m unicípios sem bibliotecas. Queremos contemplar todos os municípios até o final de julho deste ano com pelo menos uma biblioteca. O livro no Brasil é muito caro. A média de um livro é de R$ 27,00, ou seja, é inacessível para a grande maioria. Não temos uma tradição de boas bibliotecas públicas no País. Elas ainda são um território estrangeiro para a maioria da população. Queremos tornar o acesso fácil. E, ainda, modernizar o conceito de biblioteca.”
Indígenas – “Uma das coisas que mais nos estarreceu quando chegamos em 2003 é que as culturas dos povos indígenas não existiam para o Ministério da Cultura. Já estamos atendendo em torno de 180 tribos indígenas no Brasil, através de financiamento de determinados projetos, e hoje estamos lançando 33 pontos de cultura em comunidades indígenas do Alto do rio Juruá, do Alto e Médio Rio Negro, procurando atender as demandas dos povos indígenas.”