1. Abordagem e alternativa ecossocialistas

A atual crise econômica coincide com uma crise ecológica. A crise econômica é sistêmica. A crise ecológica é global. Existe uma relação de causalidade entre elas donde a necessária abordagem teórica abrangente. A crise econômica é uma crise do sistema capitalista. A crise ecológica é uma crise da relação entre os humanos e a natureza ou mais recentemente entre o modo de vida da sociedade capitalista moderna e os ecossistemas, donde a pertinência da abordagem do ponto de vista de classe, embora não exclusivamente. A crise econômica questiona o modo de produção capitalista, baseado no regime de propriedade privada dos bens de produção e na desigualdade do usufruto do produto social: atinge a todos desigualmente e de forma mais cruel aos trabalhadores e povos inteiros incluídos de forma marginal ao sistema. A crise ecológica atual, derivada deste sistema (e secundariamente da contribuição dada pelas experiências do “socialismo real”) também atinge a todos desigualmente e de forma mais grave os mais pobres sujeitos à injustiça ambiental, embora em escala escatológica possa atingir a todos independente de classe, nacionalidade ou situação geográfica – o que lhe dá também uma dimensão planetária. A alternativa radical às crises ecológica e econômica, só pode ser um novo modo de produção e consumo voltado para o atendimento das necessidades materiais, culturais, espirituais, de todos e todas, guardadas as diferentes identidades coletivas e individuais; definido e gerido democraticamente por homens e mulheres livres; respeitando-se os limites e tempos dos ciclos de vida dos ecossistemas naturais. Essa é a abordagem e a alternativa ecossocialistas.

2. A crise econômica

A crise econômica é melhor percebida por todos e todas porque atinge imediatamente a capacidade de investir, de consumir, ou simplesmente de prover a subsistência de muitas famílias. Seus indicadores são claros para os trabalhadores e trabalhadoras e para o povo em geral: aumento do desemprego; redução da renda familiar; apelo ao seguro desemprego ou ao seguro social; e em alguns segmentos a perda ou deterioração do valor de suas economias, de seus bens, ou a incapacidade de pagar as prestações ou hipotecas dos mesmos. Para muitos capitalistas geram perdas com impossibilidade de honrar compromissos; falências das empresas, embora alguns disto se aproveitem para aumentarem suas riquezas e poder. A grande novidade dessa crise é a virtual falência do sistema financeiro dos Estados e da Europa, que só não entrou em colapso graças à intervenção do Estado. Do sistema financeiro se generalizou, para os demais setores e países, e tende a se aprofundar não obstante a intervenção dos Estados com gigantescos recursos públicos.

Alguns indicadores da crise econômica nos revelam a sua ordem de grandeza: 1)a queda do PIB mundial em 2009 pode ser de menos 2,75% segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico); ou de menos 0,5% a menos 1,0% segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional). O PIB dos países mais desenvolvidos, membros da OCDE, segundo esta terão redução de 4% a 7%, em 2009; 2) Indicadores de desemprego: nos países do G-7 cerca de 36 milhões trabalhadores desempregados ao final de 2010 (OCDE); para o mundo todo a OIT (Organização Internacional do Trabalho): estima um desemprego da ordem de 50 milhões de trabalhadores, em 2009.

3. A crise ecológica

A crise ecológica atual tem forte contribuição das atividades humanas. Há indicadores ecológicos que atestam a contribuição humana para o aquecimento global da Terra nos últimos 300 anos, vale dizer, no período de prevalência do capitalismo (com a contribuição menor do “socialismo real”); e indicadores ecológicos que mostram a degradação dos ecossistemas naturais de forma mais acelerado nos últimos 50 anos, quando o capitalismo entrou em sua fase de globalização e sob a hegemonia neoliberal.

Uma análise da crise ecológica, com recorte temporário mais longo, pode ser vista através dos Relatórios do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC, ONU), de 2007. No primeiro relatório os cientistas falam com mais de 90% de certeza que as atividades humanas são responsáveis pelo incremento da temperatura média do planeta em 0,4ºC devido ao salto da concentração de CO2 na atmosfera de 280 ppmpv (partes por milhão por volume) em 1750 para 368 ppmpv em 2006. Sem alterações no atual modo de produção e consumo a temperatura média do planeta pode se elevar em até mais 4ºC, neste século – com graves conseqüências ecológicas, sociais e econômicas. Para barrar a elevação da temperatura média da terra em até mais 2ºC até 2050 seriam necessários investimentos da ordem de 3% do PIB mundial até 2030.

A“Avaliação Ecossistêmica do Milênio” (outro estudo da ONU, de 2005) indica que mais de 60% dos serviços ambientais dos ecossistemas – água doce, pesca, regulação do solo e do clima – registraram alto grau de degradação nos últimos 50 anos, gerando bem estar para parte da humanidade e perdas em grande medida irreversíveis da biodiversidade (100 a 1000 vezes mais rápido que antes da existência da humanidade) e da capacidade da natureza prover serviços fundamentais como a purificação do ar e da água que já atingem 2 bilhões de pessoas; certamente os mais pobres.

Sabidamente estamos vivendo uma sociedade urbana, com altos índices de poluição do ar nas grandes cidades; dificuldade para destino adequado para os resíduos sólidos; esgotamento sanitário insuficiente; transporte e moradias inadequados para milhões de pessoas, sujeitas às intempéries com graves repercussões à sua saúde.

4. A relação entre crise econômica e crise ecológica

A crise ecológica está relacionada ao modo de vida determinado pelo capitalismo moderno, tanto em seus ciclos de crescimento como em seus ciclos de crise, como mostram os relatórios insuspeitos da ONU. Para se enfrentar adequadamente a crise ecológica será necessária uma reversão e reorientação da base econômica hoje existente, tanto industrial quanto agrícola, sob novas bases tecnológicas bem como outro padrão de consumo, em tal grandeza que não será suportável para o sistema capitalista

A atual crise econômica, contudo, pode se resolver dentro do sistema capitalista, à custa da exclusão da maioria da humanidade e o não enfrentamento radical da crise ecológica, ou até mesmo com medidas que a agravem. Ainda que não se enfrente a crise ecológica como seria necessário, parece fundada a esperança de que a cidadania ambiental duramente conquistada exigirá dos governantes medidas anti crise ambiental no bojo das medidas anti crise econômica.

5. A saída da crise tem que ser negociada e tem que incluir a dimensão ambiental

A crise de 2008 se dá em contexto histórico diferente da crise de 1929. Em 1929 os EUA eram potência hegemônica ascendente, agora está em descenso. A restauração capitalista incorporou ao sistema a antiga União Soviética (e todo o “bloco soviético”) em condição econômica subalterna sem renúncia à condição de superpotência militar; a Comunidade Européia se tornou uma entidade forte econômica e politicamente; países capitalistas emergentes, especialmente os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) tornaram-se atores importantes na economia e na política, destacando-se dentre eles a China. A política unilateralista dos EUA nos últimos 10 anos reflete sua resistência a reconhecer outros centros de poder no plano internacional, o que tende a arrefecer nesta crise. Por outro lado não há conflito político e ideológico que justifique uma guerra de grandes proporções – afora as limitações impostas pelas armas nucleares – e as guerras imperialistas sob o manto ideológico da “guerra ao terrorismo” são localizadas.

Os Estados Unidos não estão fortes o suficiente para impor as suas decisões e não estão tão fracos para aceitarem imposições da Europa ou dos BRICs (ou da China). Não há alternativas senão negociar. É o que está se fazendo no chamado G-20 (e não mais no antigo G-7), em Londres (2009), e tende a se estender para outros foros internacionais e por mais tempo, até que se construa uma nova hegemonia em escala global.

De igual forma a potência ainda hegemônica, os Estados Unidos, não poderá se omitir como já o fez antes; nem tão pouco recusar o enfrentamento da crise ecológica, como de fato não o fez agora, ainda que marginalmente nas negociações do G-20 e em seus anunciados planos nacionais anti crise (investimentos em energias alternativas, energias limpas, com redução das emissões de CO2, etc.).

6. Considerações Gerais

a. A crise econômica atual, provocada pelo domínio sem contraste nem controle do capital financeiro e seu descolamento da economia real, coincide com uma crise ecológica sem precedentes na história da humanidade (já ocorreram crises ecológicas mais graves na Terra mesmo antes da espécie humana) com forte contribuição das atividades humanas. Ou seja, a crise ecológica atual é decorrência do modo de vida capitalista.

b. A percepção da crise econômica é mais imediata porque ameaça o emprego, a renda familiar, as expectativas do bem estar das pessoas; afora o domínio do assunto sobre a mídia. A percepção da crise ecológica é crescente, em todo o mundo (e em alguns lugares seus efeitos atingem diretamente famílias, comunidades, populações inteiras), particularmente a partir dos relatórios do IPCC sobre mudanças climáticas de 2007, constituindo-se em forte corrente de opinião pública que não pode ser menosprezada. Essas percepções geram possibilidades de enfrentamento conjunto das crises econômica e ecológica, de um ponto de vista de classe dos trabalhadores e da maioria da população

c. Na conjuntura atual é inevitável o acirramento da luta de classes, dada a tendência dos capitalistas de fazerem recair sobre os ombros da classe trabalhadora o ônus da recuperação da crise econômica (desemprego, redução salarial, acesso ao fundo publico, etc.) assim como a busca do lucro fácil com a conversão dos ativos ambientais em matérias primas ou mercadorias. Sinais da resistência dos trabalhadores já foram dados em greves e manifestações pelos mais variados países. Sinais da resistência ambientalista se fizerem presentes, em separado ou em conjunto com as manifestações dos trabalhadores, agora em Londres, quando da reunião do G-20.

d. Os governos tão atenciosos (e até graciosos) aos interesses dos banqueiros e grandes corporações não podem se esquivar de atender algumas demandas sociais e ambientais sob pena de se deslegitimarem e acirrarem a luta social e política. É o que podemos ver no comunicado do G-20, em Londres; e também nas medidas anti cíclicas anunciadas pelos governos norte-americano e europeus. A visão de futuro orienta as bandeiras de luta do presente. Elas são politicamente válidas.

e. Mas não haverá alternativa à crise econômica dentro do sistema capitalista que seja capaz de resolver sua incapacidade de atender as necessidades da maioria da humanidade, tanto os trabalhadores dos países capitalistas desenvolvidos quanto a maioria dos povos com inserção marginal no sistema. Donde a oportunidade de recolocar na ordem do dia se não a eminência da alternativa socialista, mas a discussão sobre a sua possibilidade, inclusive para assegurar os direitos dos trabalhadores e dos povos dos países “não desenvolvidos”, ameaçados por medidas anti-crise econômica. Por outro lado não haverá alternativas à crise ecológica dentro do sistema capitalista e da sua ordem política, ainda que os governos adotem algumas medidas propostas pela luta socioambiental e que essas medidas sejam importantes para se preservar determinados ecossistemas e espécies ameaçadas, ou para retardar as mudanças climáticas catastróficas à preservação da vida no planeta. Neste período de crise se torna mais importante ainda a luta dos trabalhadores, a luta dos povos dos países não desenvolvidos, a luta socioambiental – sempre que possível unidos – para assegurar direitos econômicos, sociais, culturais e ecológicos já conquistados e acumular forças no sentido de amadurecer uma consciência, uma perspectiva, de se construir uma sociedade que seja ao mesmo tempo socialista, democrática e sustentável.

Gilney Viana é membro do Diretório Nacional do PT.

Texto apresentado durante a Conferência da Esquerda
Socialista do PT e publicado no Portal PT em 14/4/2009