Gunther Peck, é professor associado de políticas públicas e história na Duke University e coordenador da campanha “Durham for Obama”. Publicou, entre outros trabalhos: Reinventing Free Labor: Padrones and Immigrant Workers in the North American West, 1880-1930 (Reinventando o trabalho livre: “padrones” e trabalhadores imigrantes no Oeste Norte-americano, 1880-1930) (2000), Atualmente, está concluindo um livro intitulado Trafficking in Race: The Rise and Fall of White Slavery, 1700-2000 (Traficando com raça: A ascensão e queda da escravidão branca, 1700-2000). Recentemente, participou do Fórum Social Mundial em Belém. A convite da página eletrônica da Fundação Perseu Abramo, ele respondeu a algumas perguntas sobre a mobilização surpreendente e inédita que transformou uma área do sul dos Estados Unidos que permanecia a mais de trinta anos sob esmagadora hegemonia republicana numa sólida base organizada em favor de Barack Obama desde as primárias democratas do início de 2008. Na entrevista Peck avalia o significado as vitórias alcançadas e os desafios confrontados pelos novos e antigos movimentos sociais dos Estados Unidos diante do governo Obama.

A vitória de Obama foi uma eleição histórica? Ela marcou uma mudança significativa na política norte-americana?

Obviamente, a eleição de um afro-americano para presidente dos Estados Unidos da América marca estas eleições como históricas. Poucos que estudam a história norte-americana ou viveram ao longo das inspiradoras vitórias do movimento pelos direitos civis dos anos 1960 e das horríveis reações contra ele teriam considerado isto possível mesmo há poucos anos atrás. Certamente, este foi o sentimento entre muitas pessoas que eu ouvi e analisei como pequisador da história dos Estados Unidos e organizador da campanha de Obama no Condado de Durham (estado da Carolina do Norte) nos últimos doze meses. Muitos voluntários e ativistas em Durham, sejam eles negros, brancos ou latinos, sentiam-se como se estivessem fazendo história, uma frase que o próprio Obama invocava repetidamente em seus discursos durante as primárias e as eleições gerais. Devido ao longo histórico de racismo e polarização racial na Carolina do Norte – afinal, este foi o estado que elegeu e reelegeu repetidamente o senador Jesse Helms, abertamente racista, ao longo dos anos 1980 e 1990 – o que nós realizamos ao empurrar a Carolina do Norte para as colunas do Partido Democrata pela primeira vez desde 1976 foi de fato uma abertura de novos caminhos. Virtualmente nenhum observador político da Carolina do Norte pensou que Obama teria qualquer chance de vencer no estado antes da dura vitória nas primárias contra Hillary Clinton.

O que mudou a paisagem política de Durham e a balança eleitoral no estado da Carolina do Norte foi mais do que uma nova coalizão política de profissionais brancos do norte e uma comunidade afro-americana reanimada, apesar de esses fatores terem sido de grande importância. Na verdade Obama ganhou o estado por servir como catalisador para uma nova abordagem do próprio processo político, estimulando um movimento social de cidadãos e mesmo de muitos não-cidadãos residentes aqui com o objetivo de restaurar o esfarrapado tecido do ativismo comunitário e da gestão democrática em nossas comunidades.

Este espírito de ativismo e movimento ficou aparente ainda na primeira atividade para registro de eleitores organizada pela minha esposa e por mim no início de fevereiro de 2008. A organização de base “Durham for Obama (DFO)” foi formada após minha companheira e duas outras mulheres inspiradas enviarem um email para amigos, família e outros apoiadores de Obama em potencial, convocando-os para uma atividade na igreja afro-americana no leste da cidade. Cinqüenta pessoas responderam, e cento e trinta pessoas compareceram à primeira reunião. Em vinte e quatro horas nós tínhamos criado um site, um banco de dados de voluntários e três comitês organizadores para registro de eleitores, educação eleitoral e comparecimento eleitoral. Duas semanas depois, havíamos nos expandido para quinhentos membros e registrado mais de mil novos eleitores, praticamente todos Democratas e todos apoiadores de Obama, tudo isso antes que qualquer organizador pago da campanha de Obama houvesse aparecido no estado. Ao fim das primárias de maio o “Durham for Obama” havia crescido para mais de quatro mil membros e, ao fim das eleições gerais tínhamos aproximadamente doze mil membros cadastrados. Para inserir estes números num contexto, um pouco mais de 101.000 cidadãos votaram em Barack Obama no nosso Condado: mais ou menos um a cada nove deles se voluntariou e aderiu à nossa organização, uma mobilização dos cidadãos em Durham e na Carolina do Norte que não era vista desde o movimento pelos direitos civis.

Em uma eleição apertada, todos os eleitores podem reivindicar uma parte da vitória. Nós vencemos a Carolina do Norte por meros quatorze mil votos em mais de 4,3 milhões computados. Mas também sei que Obama não teria vencido na Carolina do Norte se não fosse pelo “Durham for Obama”. Nós registramos 29 mil novos eleitores Democratas e Independentes entre fevereiro e novembro, mais do que duas vezes nossa margem de vitória. Nós tivemos o maior comparecimento às urnas de qualquer condado do estado, além de termos o maior apoio eleitoral para o presidente Obama, tanto nas primárias (garantindo a nomeação democrata), como nas eleições gerais. A margem de vantagem de 71 mil votos para Obama, em Durham foi gerada por literalmente milhares de voluntários que fizeram ligações telefônicas incontáveis, visitas de porta em porta, idas a igrejas, shopping centers, complexos de habitação popular, Wal-Marts e mercados, em síntese, em quaisquer lugares em que eleitores se reuniam. E, enquanto muitos dos voluntários eram residentes locais, em grande parte eleitores pela primeira vez, com idades entre 18 e 92, outros vinham de lugares dos mais inusitados: um casal da África do Sul, um companheiro da Dinamarca, quatro franceses, um do Sri Lanka, um Tanzaniano, diversos canadenses e britânicos, dois neo-zelandeses, e pelo menos um brasileiro, todos os quais viajaram para a Carolina do Norte – e para Durham – para ajudar Obama a ganhar estas eleições.

Em que medida a extraordinária coalizão de base que levou Obama ao poder na Carolina do Norte e em toda a nação afetará sua presidência? Como irá a base afetar sua capacidade de governar?

Estas são questões que os ativistas de base e o próprio Obama ainda estão tentando responder. Para o DFO, a organização da comunidade não parou com as eleições, mas entrou numa nova fase. Desde 4 de novembro formamos dez grupos de trabalho, cada um responsável por uma tarefa específica, tanto para questões locais de Durham e para a agenda nacional de Obama. Temos um comitê trabalhando na expansão do direito ao voto, procurando atingir mais dos milhares de ex-presidiários na Carolina do Norte que têm direito de votar, mas acham que os perderam. Outro grupo está tentando impedir as execuções de hipotecas em Durham. Há também um que organizou arrecadações de comida para os abrigos locais e outro que organizou um banco de empregos para os que os perderam recentemente. Alguns estão procurando formas para pressionar os legisladores a apoiar projetos de leis federais em debate no congresso, como a “card check law”, que estabelece que uma empresa estará automaticamente sindicalizada se 50% dos trabalhadores assinarem a ficha de filiação sindical, facilitando com que os sindicatos se organizassem e conseguissem garantias legais para a sua atuação. O maior grupo, o de educação, procura melhorar as escolas de Durham com programas de formação, enquanto o de meio ambiente pretende promover uma melhoria nos transportes públicos e alternativas limpas de energia. Nenhum destes subgrupos foi organizados pela assessoria do Obama ou por funcionários pagos.

Até agora, estes esforços de base somente contribuíram para expandir a capacidade do presidente Obama governar, construindo apoio para a lei de incentivos econômicos que foi aprovada recentemente. Dito isso, deve-se acrescentar que na verdade essa força de base ainda não foi completamente testada. Dois problemas destacam-se neste sentido. O primeiro é o projeto da “card check law” que opõe duas porções dos apoiadores de Obama: o movimento operário organizado e os defensores da justiça social (o maior grupo aqui no DFO), e líderes empresariais progressistas, que quase uniformemente se opõem a essa lei pró-sindical. O Presidente Obama gastará parte de seu amplo capital político pressionando por esta importante reforma? Ou ele somente a apoiará e deixará que ela morra nos comitês do Congresso? Milhões de apoiadores de base, líderes comunitários, e membros da classe trabalhadora assistirão literalmente de perto esse embate, empurrando Obama a cumprir suas promessas, ou, como disse um ativista de Durham, “mantendo o fogo sob os pés dele”.

Um segundo e maior divisor de águas é a guerra do Afeganistão, à qual a grande maioria dos apoiadores de Obama se opõe, tanto em Durham, como no resto do país. Mas ainda estamos pro ver quantos membros apoiarão ações coletivas para protestar contra a ação de tropas norte-americanas no Afeganistão. Por enquanto, muitos membros do DFO estão relutantes em retomar o trabalho familiar dos protestos políticos, prática recorrente quando estávamos sob o pesadelo anti-democrático do governo de George W. Bush. O desafio parece ser como manter-se independente o bastante para pressionar Obama pela esquerda, sem perder a influência surgida devido ao fato de termos sido literalmente os primeiros a dar a vitória ao presidente Obama.

Algumas informações úteis sobre o contexto:
A Carolina do Norte (North Carolina) é o décimo maior estado dos Estados Unidos, com uma população de 9,2 milhões de habitantes (70% brancos, 21% negros e 7% latinos). É considerado um estado onde predomina o “direito ao trabalho” (em piores condições), e tem uma das mais baixas taxas de sindicalização do país, o que torna a derrota da senadora republicana Elizabeth Dole um fato digno de destaque. A nova senadora democrata, Kay Hagen ganhou tanto pela onda a favor de Obama quanto pelo apoio que ela deu ao “check card”, cujo papel de fortalecimento do movimento sindical Gunther Peck explica na entrevista.

Tradução de Maia Gonçalves Fortes