Seminário Discriminação, Integração: Negritude na França e movimento negro no Brasil
Dedicada à relação entre os movimentos negros da França e do Brasil, a primeira mesa do seminário “Discriminação, integração” foi iniciada pelo pesquisador francês Jean-Jacques Kourliandsky, em participação que enfatizou diferenças e similaridades nos problemas vividos pelos dois países. Para o pesquisador, da mesma forma que os brasileiros enfrentam obstáculos advindos das desigualdades sociais, os franceses vivem, desde 2005, ocorrências graves na periferia de Paris e de outras cidades. Situação que, segundo ele, escancara a necessidade de que tais problemas sejam observados, pensados e, mais importante, solucionados.
Citando o pensador francês Aimé Césaire, o Kourliandsky destacou a radicalidade do pensamento como um de seus ensinamentos fundamentais. “Césaire esperava que todos os homens fossem respeitados, e tivessem respeitada sua dignidade, sua identidade. Em 1935 ele cunhou o termo negritude para definir o que é branco e negro. Negritude é a negação da negação do homem. É a afirmação de que o negro é negro. Aimé Césaire, se viu, em Paris, junto com outros estudantes negros como Leopold Senghor, que veio a se tornar presidente do Senegal. Eles defendiam a igualdade do homem, independente da cor, da origem”, concluiu o estudioso.
Para Kourliandsky, Césaire desejava que os das antigas colonias de ultra-mar – ilhas de Reunión, no Índico, as das Antilhas, Martinica e Guadalupe -, se tornassem francesas por inteiro. Mas a integração dos povos das ilhas, segundo ele, é uma ilusão. “Césaire e seus amigos defendiam, então, que pela diversidade se alcançaria a universalidade, ou resumindo, o que é preciso é nos aceitarmos independente da cor, nos conhecermos, aceitarmos a diversidade”, afirmou.
O fluxo migratório para a França nos anos 1960, exemplificou Kourliandsky, teve impacto no seio das comunidades negras do país oriundas das Antilhas e da África. Os comportamentos eleitorais, portanto, não são iguais entre antilhanos e os de origem africana que já tem nacionalidade francesa e direito a voto.
Kourliandsky finalizou sua participação com duas citações de Césaire: a primeira, “A negritude é um desvio específico para chegar ao universal”; e a segunda, uma resposta dada a um jornalista: “o negro enche o saco de vocês. Essa é a diferença.”
(Foto: Sylvia Masini)
A trajetória do movimento negro no Brasil
A professora Maria Palmira deu prosseguimento ao debate fazendo uma retrospectiva da organização do movimento negro no Brasil. Ela apontou momentos importantes, como a atuação do ativista e dramaturgo Solano Trindade na década de 1960, que ecoou até a década de 1970, com a criação do teatro experimental do negro. Outro exemplo citado foi a morte de dois trabalhadores negros e a expulsão de quatro atletas negros do time juvenil do Clube de Regata Tietê em São Paulo (1978), com grande repercussão nos meios de comunicação da época e organização de manifestações públicas contra o racismo.
Palmira defende, ainda, que o fortalecimento de vínculos, com os debates entre estados, foi especialmente decisivo para a reorganização do movimento negro, estruturando, entre diversos atores, uma discussão continua para a superação do racismo na sociedade brasileira.
Outros momentos importantes citados por Palmira foram o nascimento do bloco Ilê-Aye, em1974; a manifestação em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, em 1978; o I Encontro Nacional de Entidades Negras, em 1991; a I Marcha Zumbi dos Palmares pela Igualdade e pela Vida, em 1995; o Congresso Continental dos Povos Negros, em 1995; o II Encontro Nacional de Entidades Negras, em 1999; a criação da Seppir , em 2003; a marcha Zumbi + 10, em 2005; e outros eventos que deixaram um saldo organizativo importante, como o Movimento Negro Unificado (MNU) e a Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN).
Todos esses movimentos, segundo Palmira, tiveram um poder aglutinador, com representações especialmente significativas de mulheres e jovens, estabelecendo especificidades desses dois segmentos. Destes, a professora cita como agendas principais, a violência que atinge a juventude (a expectativa de vida do jovem que vive na periferia não passa de 24 anos), e a defasagem salarial sofrida pelas mulheres negras no mercado de trabalho, com salários menores se comparados aos de mulheres brancas ou de homens brancos.
Palmira lembrou também da importância dos esforços de interlocução com ativistas africanos e de outros países, como França e Estados Unidos, decisivos para o amadurecimento da agenda do movimento negro.
(Foto: Sylvia Masini)
O PT e seu papel na reorganização do movimento
O Partido dos Trabalhadores teve e tem tido papel importante no processo de mobilização, segundo Palmira. Ela ressaltou que o PT foi o primeiro partido a criar uma secretaria de combate ao racismo, e que por meio dessa secretaria tem feito a diferença na discussão dessa agenda política, procurando, por meio do diálogo com as ONGs e com os movimentos, pensar, maturar um projeto politico para o Brasil.
A professora alerta para o fato de que o racismo na sociedade contemporânea se renovou e, em grande parte, motivado pelo combate ao politicamente incorreto, sua expressão ficou mais sofisticada, mais fria, indireta, e não verbalizada. “As práticas discriminatórias não se dão somente pela verbalização, pela manifestação pública do racismo, mas também por meio do preconceito, que é a forma de excluir o outro. Há discriminação nos serviços de saúde, na escola, no mercado de trabalho, mas não é possível identificar e punir o agressor”, disse Palmira.
Sobre o debate atual que vem sendo travado no Senado Federal e na mídia sobre a instituição de cotas, Palmira aponta que os conservadores utilizam o argumento de que “isso iria dividir o Brasil em duas raças, iria radicalizar o Brasil e dividi-lo entre negros e brancos, esquecendo que o país já é uma sociedade dividida – o que pode ser visto pelas mortes precoces, pelas oportunidades diferenciadas no mercado de trabalho”.
A professora finalizou sua participação enfatizando que o esforço de mudança, de superação do racismo, deve começar na infância, quando a criança negra precisa se sentir incluída, precisa se ver na sociedade.
Debate
Durante o debate, o pesquisador Jean Jacques Kourliandsky disse que anteriormente a questão do racismo na França se manifestava no casamento, com questionamentos como “ você aceitaria que seu filho se casasse com um cigano, com um afrodescendente?”. Hoje, porém, o problema se volta para a questão do trabalho.
Sobre a posse de Barack Obama nos Estados Unidos, tanto Kourliandsky quanto Maria Palmira acreditam que é um momento muito significativo. Para o primeiro, a eleição de Obama foi um choque na sociedade francesa. E Palmira completou: “Obama é o presidente da nação mais poderosa do mundo e isso tem impacto. Quando as pessoas apertarem as mãos do presidente da República, será a mão de um homem negro; é uma família negra, com filhos negros. Isso mexe com os comportamentos racistas.”
Arquivo
– Veja a apresentação desenvolvida pela professora Maria Palmira clicando aqui.
Saiba mais
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