“D. Oscar Romero, FMNL, Mauricio Funes”, por Selvino Heck
A história anda, sim. Primeiro de fevereiro de 1932: Agustín Farabundo Martí Rodriguez é fuzilado em El Salvador por forças militares organizadas pelos EUA. 24 de março de 1980: D. Oscar Romero, o bispo dos pobres, é assassinado em El Salvador durante a celebração. Abre-se a guerra civil no país e em 10 de outubro de 1980 surge a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional – FMLN, que só termina em 1992, com a transformação da FMLN em partido institucional. 15 de março de 2009, com o lema ‘Nasce a Esperança’, o jornalista Mauricio Funes, indicado pela FMLN, é eleito presidente de El Salvador com 51% dos votos, depois de mais de 60 anos de luta clandestina das forças populares e de esquerda e de 20 anos de hegemonia da direita conservadora.
Em 1977, D. Romero disse: “A missão da Igreja é identificar-se com os pobres”. 2009, o presidente eleito (casado com Vanda Pignato, brasileira, filiada do PT) diz: “Neste dia, triunfou a cidadania que acreditou na esperança e venceu o medo. Esta é uma vitória de todo o povo salvadorenho”; “Monsenhor Romero disse que a Igreja tinha uma opção preferencial pelos pobres. Isso eu farei: favorecer os pobres e os excluídos.”
Nestes momentos não há como escapar da celebração da vitória, da alegria, da lágrima. Os dias não são todos igualmente tristes. Chora-se também de felicidade. A história não é feita apenas de derrotas e derrotados.
Os mais antigos lembram de Fidel, Che e Raul entrando em Havana em 1959, há 50 anos, sob as bênçãos de José Martí. Alguns um pouco mais novos acompanharam a chegada da Frente Sandinista de Libertação Nacional em Manágua em 1979, sob as bênçãos de Augusto César Sandino. Outros tantos aprenderam a admirar a Frente Farabundo Martí e sua luta pela libertação de El Salvador, que agora chega ao governo com a vitória de Mauricio Funes, sob as bênçãos de Agustín Farabundo Martí Rodriguez.
Escreve Emir Sader: “Quando da posse de Fernando Lugo, presidente do Paraguai, em agosto de 2008, a revista ‘The Economist’ afirmou que, com a crise, aquele era o último presidente de esquerda a ser eleito. Com a chegada da crise, os temas centrais passariam a ser favoráveis à direita – ajuste fiscal e violência.”
Os oráculos dos sábios neoliberais mais uma vez erraram em seus vaticínios. A direita perdeu em El Salvador. O presidente Lula, no encontro com o presidente Obama, pede o fim do embargo a Cuba, dizendo que os EUA, através de seu presidente, têm a obrigação de estabelecer uma nova relação com a América Latina: “Uma relação não como a Aliança para o Progresso dos nos anos 60, nem uma política de ingerência, mas uma relação de parceria”. Sobre o embargo a Cuba, Lula afirmou: “Não sei o que os cubanos querem, eu não falo por eles. Mas não existe, do ponto de vista política, sociológico e da racionalidade humana, nada mais que impeça o restabelecimento da relação diplomática entre EUA e Cuba. Não é possível que a gente continue fazendo, no século 21, política com um olhar do que aconteceu no século 20.”
Evo Morales, presidente da Bolívia, publica um artigo no ‘New York Times’, com o título: DEIXEM-ME MASCAR MINHA FOLHA DE COCA. Diz Evo: “A folha da coca é um importante símbolo da história e da identidade das culturas indígenas dos Andes. O costume de marcar folhas de coca existe na região andina da América do Sul desde 3000 AC. Ele ajuda a mitigar a sensação de fome, proporciona energia durante os longos dias de trabalho, ajuda a conter o enjôo da altitude e não causa nenhum dano à saúde.” E o indígena Evo mascou uma folha de coca à frente da imprensa presente na reunião da Comissão da ONU para Drogas e Crime em Viena.
A história anda, sim. Disse Rigoberta Menchú, guatemalteca, prêmio Nobel da Paz de 1992: “As eleições de El Salvador marcam uma nova pauta para a América Central e para a América Latina. Há ordens que já estão no passado, como a recusa à mudança, quando precisamos de uma mudança.” E as palavras de Hugo Chávez: “Esta vitória consolida a corrente histórica que, na primeira década do século XXI, se levantou em toda a América Latina e no Caribe, e abre as portas a outros povos irmãos nos desafios que têm adiante.”
A crise econômica internacional que afeta, especialmente os EUA, Europa e Japão, criada por eles, é a oportunidade histórica de afirmar a soberania nacional e construir um projeto de desenvolvimento alternativo ao neoliberal e um projeto de sociedade alternativo ao capitalista.
Disse o presidente Lula há poucos dias no Seminário Internacional sobre Desenvolvimento promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social: “Um novo paradigma emerge em meio às ruínas das finanças desreguladas. Consolida-se rapidamente um novo idioma político, que recupera e fortalece a luta por uma sociedade cada vez mais democrática e justa socialmente. A ideologia neoliberal do Estado mínimo experimenta o seu crepúsculo. Emprego e oportunidade, saúde pública e educação de qualidade, infância amparada e velhice digna são as renovadas balizas do desenvolvimento. Permitam-me dizer-lhes – não sem um ponta de orgulho – que na América do Sul e em especial no Brasil, a partir de 2003, essas balizas conquistaram ampla legitimidade em todos os escrutínios a que foram submetidas nos últimos anos. Não me peçam para fazer com que os trabalhadores paguem a crise outra vez, arrochando salário, não me peçam porque estou convencido de que a nossa teoria estava correta. Quando diziam, neste Brasil, que a gente só poderia distribuir se o país crescesse, nós ficamos esperando crescer 30 anos, e cresceu. Alguns poucos comeram e nós ficamos sem nada. E a gente dizia: é preciso distribuir para a gente garantir que a economia cresça.” Lula terminou o discurso com a seguinte frase: “Qualquer política econômica só será séria se for subordinada à produção, à geração de empregos e à distribuição de renda.”
A América Latina, finalmente, respira ares de democracia. A vontade popular soberana se espraia. A luta de Bolívar, de José Martí, de Farabundo Martí, Sandino, Che, tantos e tantos outros e outras não foi em vão. Nem a nossa luta está sendo.
*Selvino Heck é Assessor Especial do Presidente do Brasil.