Promovido pelas fundações Perseu Abramo-FPA (Brasil) e Jean Jaurès (França), o seminário "Discriminação – integração: Brasil-França, experiências cruzadas" teve, em seu segundo debate, o tema “As políticas de promoção da igualdade racial e de combate às expressões de racismo e discriminação no Brasil e na França”. Os expositores foram ministro-chefe da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial do Brasil (Seppir) Edson Santos, a deputada por Paris, vice-líder da bancada socialista na Assembléia Nacional francesa George Pau-Langevin, e o sociólogo, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos, Valter Silvério. A coordenação da mesa foi de Cida Abreu, secretária nacional de Combate ao Racismo/PT.

Iniciando os trabalhos, o ministro Edson Santos apresentou um breve histórico dos últimos séculos, enfatizando que o Brasil foi a última nação das Américas a abolir a escravidão, num processo que não observou a inclusão plena do negro nas atividades econômicas do país. “No final do século 19 e início do século 20, houve uma opção do governo brasileiro de incentivar a imigração dos europeus e asiáticos, o que teria provocado o embranquecimento da população”, observa Santos. Ainda segundo o ministro, tal processo teve continuidade no processo de industrialização, quando os negros tiveram negada a possibilidade de se tornarem operários. Tendo espaço apenas como escravos, após a abolição os negros passaram a ser os “sem lugar”.

Por um largo período de tempo, continuou Edson, o Brasil viveu sob a visão de uma suposta democracia racial, o que teria levado as diferenças raciais a não serem contempladas pelo Estado. Uma situação que, para ser mudada, teve como fundamental o papel dos movimentos negros e de combate ao preconceito racial. A Constituição de 1988, portanto, foi para o ministro um marco, porque incluiu mecanismos de inclusão social e, a partir dela, o crime de racismo se tornou inafiançável.

Outro ponto destacado pelo ministro foi o envio, em 1995, de documento à ONU no qual o Brasil reconhece as desigualdades raciais no país, apontando o esforço do Estado em superar a situação.

Uma agenda de desafios
Com relação à Seppir, o ministro falou sobre o papel da secretaria na coordenação das ações do governo no combate às desigualdades raciais no país, dialogando com estados e municípios, e garantindo que a transversalidade seja efetivamente colocada em prática, com ações nas áreas de terra, trabalho, educação, justiça e saúde. Tarefa que, garante Santos, não é fácil. Isso porque cada população, seja negra, indígena, cigana etc., tem especificidades que precisam ser respeitadas.

No caso da terra, Santos citou o exemplo das 3.424 comunidades remanescentes de quilombos catalogadas no país que, resistindo durante a escravidão, mantiveram sua vida comunitária (e religião) ligada à cultura da população negra. Para essas comunidades, o governo federal instituiu a Agenda Social Quilombola, voltada à regularização fundiária e ao seu desenvolvimento sustentável. Medida que é, ainda, motivo de vários conflitos em todo o Brasil.

Santos também disse que o Estado passou a conhecer as instituições que lidam com religiões de matriz africana no Brasil. Esses credos, ainda que mantidos em milhares de casas, são agredidos por fundamentalistas que procuram cercear sua existência.

As diferenças no tratamento dado a brancos e negros no mercado de trabalho também foram bastante enfatizadas pelo ministro.

Santos falou ainda que o atendimento à população negra que vive nas regiões metropolitanas é uma prioridade, um desafio que vislumbra ações afirmativas ou de discriminação positiva. Focadas no ambiente da educação, algumas dessas medidas devem ser voltadas ao oferecimento de oportunidades para os jovens, bem como à mudança nos currículos escolares (com o ensino de história da África) para contemplar o papel do negro na formação do país.

“O diálogo é complexo. Não é uma política deste governo, precisa ser um compromisso do Estado brasileiro”, concluiu o ministro.
 

Da esquerda para a direita: Valter Silvério, George Pau-Langevin, Cida Abreu e Edson Santos
(Foto: Sylvia Masini)

O cenário francês
A mesa teve sequência com a deputada George Pau-Langevin, que destacou dois problemas imediatos vividos na França. O primeiro, são as dificuldades que confrontam estrangeiros e franceses, juntando aqueles que chegam da Itália, da Espanha e de Portugal e os imigrantes que vem das antigas colônias francesas, em especial as do norte do Saara. O segundo problema é relacionado às estatísticas: estas apontam não existir racismo na França ao mesmo tempo em que outras pesquisas, estrangeiras, afirmam que crianças filhas de imigrantes que adquirem cidadania sofrem discriminação.

O discurso oficial da França, segundo George, é o de que se for resolvida a questão da pobreza, terão sido resolvidos todos os problemas – não só dos negros, mas também dos que vieram das áreas árabes. Vive-se, nas escolas públicas, uma situação humilhante, pois os franceses que tem melhores condições financeiras tiram seus filhos das escolas públicas e os colocam nas particulares. Não há a convivência entre diferentes, de outras origens. “São jovens que não receberam boa educação, não darão bons intelectuais. Essas escolas são exclusivamente frequentadas por crianças negras e vindas dos países das antigas colônias francesas”, disse George, que completa: são eles os alvos dos tribunais e das ações policiais.

Para fazer frente a essa situação, George defende que os partidos de esquerda se debrucem sobre ela, assim como os movimentos que levam adiante a luta contra a homofobia e a xenofobia. A existência desses sentimentos, latente, acaba refletida na falta de representação de personagens negros nas cidades francesas. Para ilustrar a situação, a deputada citou a inauguração, que ocorreria dali a poucos dias, da estátua do pai de Alexandre Dumas, que era mestiço.

“Na França há resistência em diferenciar negros e brancos. Nós, de esquerda, temos o dever de lutar pela melhoria da situação das áreas pobres. Hoje temos um governo de direita, que está desfazendo o que havia sido conquistado”, disse George. Para ela, é papel da esquerda lutar contra a situação de opressão dos ricos sobre o segmento mais fragilizado da sociedade.

 

O público assiste ao debate
(Foto: Sylvia Masini)

Distância a percorrer
Continuando o debate, o professor Valter Silvério chamou a atenção para a questão das políticas públicas. Segundo ele, estas não propiciam a mobilidade social da população pobre e negra. “Há consenso, a partir da década de 1990, em torno dos obstáculos econômicos e das desigualdades existentes no país”, disse.

Silvério ressalta a importância do movimento negro, que a partir dos anos 1970 passa a fazer denúncias públicas sobre as desigualdades. Na literatura, lembrou, há registros das mudanças sociais conservadoras ocorridas no país, como o crescimento econômico no período militar acompanhado de fortes desigualdades sociais.

Apresentados principalmente para a população negra, tais entraves tiveram de ser superados, a exemplo do que ocorria no mercado de trabalho. “No Brasil, boa aparência era não ser negro”, conclui o professor da UFscar. Para Silvério, não há aprofundamento da democracia sem a superação dessas desigualdades, o que apenas se dará com políticas focais.

Informações do estudo “Avaliação de Políticas sociais e desigualdade” (conduzido pelo Ipea) foram citadas pelo professor para ilustrar esse diferencial existente no país. Um dos dados mostra que, mantida a velocidade de nivelação dos direitos – com base nos dados de 1995-2005 –, os trabalhadores negros precisarão de mais de 100 anos para atingir mesmos níveis salariais que os trabalhadores brancos; da mesma forma, serão necessários mais 67anos para se nivelar no nível educacional.

Por fim, Silvério tratou do debate atualmente em curso no Senado Federal e na imprensa a respeito das cotas. Sobre o assunto, o professor foi sucinto: para ele, trata-se de uma tentativa de descaracterizar 30 anos de luta contra a discriminação no país.

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