Mercantilização do Carnaval põe em risco blocos afro da Bahia
Por Luciana Lima, da Agência Brasil, em Salvador
Em meio à grandiosidade do carnaval baiano e à comemoração dos 60 anos do Afoxé Filhos de Ghandy, muitos grupos tradicionais de afoxés, blocos de índios e agremiações de comunidades tradicionais de Salvador desapareceram ou correm o risco de desaparecer, por falta de condições para se sustentar.
Quem faz o alerta é Hamilton Borges, liderança do Movimento Negro da Bahia, que afirma ter visto muitos afoxés se perderem. “Os afoxés, com raríssimas exceções, estão se acabando. Esses grupos não estão suportando a imposição do comércio, do capital investido no carnaval. Mesmo os afoxés que se mantêm por força da comunidade, não estão dando conta de se manter”, alertou.
“Os grupos se mantêm dentro de uma perspectiva comunitária e até os anos 1980 eles se sustentavam com dinheiro dos associados. Saíam com 400 ou 600 pessoas e até com 3 mil pessoas”, destacou Hamilton, que lembrou o Afoxé Badauê, cantado por vários artistas, inclusive na letra de Caetano Veloso: “No Badauê, vira menina, macumba, beleza, escravidão. No Badauê. Toda grandeza da vida no sim/não. No Zanzibar. Uma menina bonita pegou amor em mim. No Zanzibar. Os orixás acenaram com o não/sim”, cantarolou Hamilton, morador do Engenho Velho de Brotas, casa do afoxé que teve um papel revolucionário perante os blocos afro da Bahia, ao afirmar os valores da cultura negra ao descer a Ladeira de Nanã.
O Badauê foi criado em 1978, no dia 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura. “Ele fez 30 anos, mas já não desfila. Agora, as pessoas estão novamente se juntando e vão fazer uma série de eventos para tentar reanimar o bloco”, destacou.
Da mesma forma que o Badauê deixou de desfilar, Hamilton se lembra do Obaxirê, no bairro São Caetano, e o Ébano, que também acabaram se perdendo no tempo. “São afoxés tão importantes quanto esses que fazem sucesso hoje”, ressaltou. Já os afoxés Filhos do Korin Efan e Filhos do Congo, por exemplo, ainda resistem, mas com dificuldades. “Todos os anos eles saem mas de forma precária, com a pior fantasia que se possa imaginar, sem apoio do governo ou de empresas privadas”, lamentou.
A prosperidade experimentada pelos Filhos de Ghandy, na opinião de Hamilton, ocorre pelo fato de o bloco estar ligado aos grandes terreiros de Candomblé da Bahia (Gantois, Casa Branca, Ilê Axé Opo Afonjá). Nesses terreiros havia figuras eminentes, como Jorge Amado, Pierre Verger, Antônio Carlos Magalhães, entre outros, que davam essa legitimidade, esse suporte político para os terreiros e também para os blocos.
Crítico do carnaval voltado exclusivamente para turistas, Hamilton destaca a falta de contrapartida social dos grandes trios elétricos, que pagam uma taxa mínima para desfilar nos circuitos, entre eles o mais badalado, que recebe o nome de Dodô, localizado na orla Barra/Ondina. “Não existe uma contrapartida social dos grande trios que lucram milhões com o carnaval da Bahia. Temos um carnaval que exclui”, destacou.
“Os negros criaram todo o capital simbólico que faz o carnaval da Bahia ser uma festa com caráter internacional. O principal movimento do carnaval de Salvador, que é o Axé, vem de uma referência religiosa, que é o Candomblé. Mas a música que virou marca do carnaval baiano não tem nada a ver com essas referências. Existem comunidades que perderam o conhecimento dos blocos que se formaram. Já estão caindo no esquecimento. E como não há mais esse conhecimento, essas comunidades não se inserem mais no carnaval a partir de uma leitura própria, de um código próprio. Ela não vai se reinserir no carnaval de shortinho e abadá”, criticou.