FSM: Mudar e preservar
Fui mais uma vez ao Fórum Social Mundial escutar os que querem mudar o mundo. Gosto de ouvi-los, eu também sempre tive este sonho renovador, e afinal vi o mundo mudar, embora só o percebendo depois: vi a mulher se emancipar e a democracia se consolidar definitivamente, vastas e profundas mudanças do mundo sócio-político, fora a televisão e o computador que vi chegarem. E mudanças, aquelas duas primeiras, nas quais os sonhadores tiveram um papel decisivo.
Fui mais uma vez ao Fórum Social Mundial escutar os que querem mudar o mundo. Gosto de ouvi-los, eu também sempre tive este sonho renovador, e afinal vi o mundo mudar, embora só o percebendo depois: vi a mulher se emancipar e a democracia se consolidar definitivamente, vastas e profundas mudanças do mundo sócio-político, fora a televisão e o computador que vi chegarem. E mudanças, aquelas duas primeiras, nas quais os sonhadores tiveram um papel decisivo.
Desta feita em Belém, bela e afável cidade, com sua personalidade forte, sua cultura sedimentada em quatrocentos anos (desde o Forte do Presépio, construído para fechar o Rio-Mar), seu clima amazônico amenizado pela brisa, suas mangueiras generosas. Havia um simbolismo na escolha do local, o tema principal deveria ser a preservação e, mal ou bem, a Amazônia é a área ainda menos destruída do planeta. Claro que predominou a crise econômica como tema, depois comento isso.
Aproveitei a proximidade e fui a Santarém, na confluência do Tapajós com o Amazonas. Uma velha cidade portuguesa, com um fantástico movimento portuário, que embarca soja e madeira em grandes navios diretamente para o mundo. Dentro do município, num vilarejo chamado Alter do Chão (aonde se chega por uma estrada ladeada de castanheiros e palmeiras de açaí), há maravilhosas praias de rio com a água límpida do Tapajós. Imperdível. E os mais belos cantos de sabiá que já escutei. É Brasil. Em Santarém, há um mirante de onde se vê o encontro do cinza azulado do Tapajós com o amarelo barrento do Amazonas; duas imensidades que dão ao observador a plena sensação de que o Brasil é uma potência da água!
E por quê é Brasil? O Grão-Pará era uma colônia diretamente ligada a Lisboa, como o Maranhão, sem nenhuma vinculação com o Rio de Janeiro; por quê, um ano depois do Ipiranga, em agosto de 23, como última província, ligou-se ao Rio e aderiu ao Príncipe do Brasil, então Imperador, abandonando o rei de Portugal. Conta a História que chegou a Belém um brigue comandado por um Tenente John Grenfell, com algumas dezenas de soldados, que mandou dizer aos chefes locais que estava para arribar a grande e devastadora armada do Almirante Cochrane, que havia obtido na marra a adesão do Maranhão, também diretamente ligado a Lisboa, e que era melhor para eles também aderirem logo. E eles, enganados, aderiram, para serem logo depois vitimados pela atrocidade deste Grenfell, que os jogou no porão de um navio, mandou atirar cal viva sobre eles e fechar a escotilha. Inimaginável. Feito por um oficial inglês, civilizado. Bem, mas o fato é que, meses antes, tinha havido duas revoltas populares sucessivas, a favor da adesão ao Brasil, sufocadas pela chefia local, fiel a Portugal, essa mesma massacrada pelo inglês. Então, havia um certo sentimento popular de brasilidade. Como? Francamente, não sei, mas penso que a figura principesca, do Defensor Perpétuo do Brasil, teve algum papel nisso e que, se a Independência tivesse sido republicana, seríamos hoje, como a América Espanhola, várias repúblicas comandadas pelas elites locais, uma ou duas das quais, amazônicas.
Com a adesão de Belém, fechamos toda a Amazônia portuguesa. É tudo Brasil, graças a Deus, uma potência da água! Extraordinário é que o hotel à beira do Tapajós exibisse advertências para economizar água e energia, e tivesse na pia uma torneira dessas que só vertem água quando pressionadas de cima. E que o motorista que nos conduzia se referisse aos abusos e ilegalidades na produção de soja e na exploração madeireira como coisas de “matogrossenses”, gente com mentalidade de gado que, segundo ele, não tinha amor à Floresta, e que vinha invadindo o Pará usando o Tapajós para escoar seu crime. Opinião dele.
*Roberto Saturnino Braga é ex-senador pelo PT/RJ e membro do Conselho Curador da FPA.