“Ou o governo mexe no Banco Central e derruba fortemente as taxas de juros ou o antídoto não funciona e seguimos para baixo”, diz, em entrevista à Carta Maior, o economista José Carlos de Souza Braga, professor da Unicamp. Para ele, o argumento conservador em defesa dos juros é “terrorismo puro e simples”.

No arremate de um texto escrito ainda em 1996 (“Economia e Fetiche da Globalização Capitalista”), José Carlos de Souza Braga, professor do Instituto de Economia da Unicamp, antecipava em 12 anos algumas interrogações que encabeçam agora a agenda da crise econômica mundial. “Estamos diante de qual transição? Qual reforma, muito mais que (re)regulamentação, é necessária? Qual forma de reorganização econômico-social e democrática é almejável? Que tipo de crise-transição é essa que se não for bem encaminhada nos colocará diante de uma ‘neo-barbárie’ da qual a praxis neoliberal e a impotência crítico-propositiva são mero intróito?”

Antecipações arrojadas, a exemplo dessas, costumam percorrem as análises do economista da Unicamp. Braga foi um dos pioneiros a apontar o ovo da serpente nas regras displicentes dos acordos da Basiléia que há cerca de vinte anos prometiam disciplinar os mercados financeiros globalizados. Ele tornou usual a expressão “financeirização do capitalismo”, ao lado de colegas da mesma universidade, como Luiz Gonzaga Belluzzo e o atual presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que, em 1998, também escreveram um ensaio demarcador sobre o tema (“Financeirização da riqueza, inflação de ativos e decisão de gastos em economias abertas”).

Braga cunharia ainda a expressão “supermercado financeiro”, uma metáfora recorrente na explicação do colapso atual. A emergência do supermercado financeiro refletiria o desmonte das regulações e atribuições específicas que ordenavam o funcionamento dos circuitos do dinheiro a juro, desde 1929 e, com maior amplitude, a partir dos acordos e regras de Bretton Woods, em 1944. O avanço político e econômico das forças ditas liberais nos anos 70 – o golpe militar no Chile, em 1973, seria um dos seus laboratórios avançados – solaparia progressivamente as fronteiras e delimitações do circuito da riqueza líquida, esvaziando-se o poder de controle do Estado sobre ela.

Nos últimos 38 anos – “portanto estamos falando de uma forma de capitalismo mais duradoura que os ‘gold age’, os chamados trinta anos de ouro do sistema baseado no bem-estar social” – ruíram sucessivamente as regras prudenciais de correspondência entre passivos e ativos bancários. O descasamento entre prazos de operações conexas exacerbou-se. Da mesma forma, esfumaram-se as contrapartidas de capital próprio, que asseguravam e disciplinavam o conjunto das operações bancárias. Da ruína do capitalismo regulado emergiria um sistema sombra, uma montanha desordenada de riqueza fictícia voltada à auto-reprodução. Em resumo, a lógica tão a gosto dos que insistem em entregar o destino da sociedade aos impulsos instáveis, freqüentemente irracionais, como se vê , dos chamados livre mercados.

A crise sistêmica marca a falência do supermercado financeiro. O capital desregrado e o Estado que nada mais controlava juntam-se agora na tentativa de reverter um colapso sob o olhar perplexo da sociedade, que assiste a uma das mais amplas estatizações da história dos mercados financeiros, paradoxalmente destinada a reconstruí-los. “Os Estados transformaram-se em market markers. Eles estão compondo os mercados novamente. Dragam incansavelmente o entulho tóxico formado por papéis sem demanda , muitos dos quais valem nada, mas sobretudo, não são precificáveis”, diz o economista da Unicamp.

Os Estados, enfim, estão tentando reconstruir a ordem da desordem.

Nesse momento em que gôndolas da riqueza fictícia viram pó e o poder público sopra na tentativa de lhes devolver a vida, as perguntas formuladas pelo economista em 1996 adquirem sua pertinência mais aguda. “Estamos diante de qual transição? Qual reforma, muito mais que regulamentação, é necessária para prevenir uma barbárie?”.

Em entrevista à Carta Maior, o professor Carlos Braga admite que ainda não tem as respostas. Mas ele aperfeiçoou algumas certezas sobre a natureza insuportavelmente instável da sociedade subordinada à exacerbação do capitalismo financeirizado, seja no seu apogeu, ou na agonia sem data-limite. O economista da Unicamp vai além da mera decifração das origens da crise. Essa etapa, de certa forma, está superada na discussão. Seu questionamento avança para argüir certas ferramentas e pressupostos de “retificação de desvios” que ancoram o grosso das apostas numa volta à normalidade, a seu ver desprovidas de conteúdo histórico.

O ceticismo intelectual apóia-se na convicção de que a supremacia das finanças desreguladas não constituiria um tropeço na dinâmica do capitalismo sob hegemonia norte-americana. Antes, seria um fator constitutivo, amplo e poderoso de uma dinâmica que não se moveria apenas nas franjas especulativas do mercado. “Essa mesma dinâmica está inscrita também no coração produtivo da engrenagem”, diz Braga. Mesmo as grandes empresas capitalistas do setor industrial, assim como as grandes corporações da área de serviços introjetaram uma poderosa função financeira ao arsenal da acumulação. “O caixa dessas corporações detém gigantescas fatias de liquidez. Elas são mobilizadas em apostas planetárias pautadas, não mais por um rentismo defensivo, mas ativo. Vimos agora que ele inclui adeptos de envergadura na própria economia brasileira”, diz o economista alfinetando grandes grupos nacionais que fizeram hedge cambial em valor muito acima do que seria necessário para proteger seus negócios. Perderam bilhões de dólares, pressionando agora a taxa de câmbio para saldar seus contratos.

O debate sobre a crise avança em três direções no arremate da conversa de Carta Maior com o professor da Unicamp.

A primeira questiona a natureza da regulação capaz, nas condições atuais do capitalismo, de induzir à “eutanásia do rentista”. Ou seja, para emprestar o termo keynesiano, de fixar balizas que devolvam ao capital a lógica empreendedora materializada em investimentos, emprego e riqueza real. “Se formos considerar a abrangência da financeirização nessa etapa histórica, talvez tivéssemos que falar em “eutanásia do capitalismo e não do rentismo”, ironiza Braga. Esse é o horizonte histórico mais amplo. Mas existe a conjuntura e os fatos em curso. Ambos cobram respostas imediatas do governo, ações políticas das lideranças sociais e alternativas práticas dos intelectuais.

Trata-se de saber, por exemplo, até que ponto projetos de integração regional, coordenados por governos de recorte progressista, teriam densidade para abrir um espaço de autonomia relativa na película sufocante estendida pelas finanças globais, urbi et orbe, sob hegemonia norte-americana. A possibilidade de se construir na periferia do capitalismo alianças de desenvolvimento produtivista, segundo Braga, depende de uma coordenação progressista, capaz de superar a hegemonia de elites locais historicamente acasaladas à potência norte-americana.

O terceiro ponto questiona a urgência brasileira diante da crise. O governo Lula tomou diferentes medidas de ampliação da liquidez para retardar, ou mitigar, o impacto da recessão mundial e o professor da Unicamp reconhece o esforço mas aponta lacunas . “O Brasil vinha crescendo a mais de 5% ao ano com forte expansão de emprego e, sobretudo, níveis de investimentos acima da taxa de aumento do PIB. Acumulamos reservas, o que é de extrema importância. Mas continuamos manietados por um triângulo de ferro. Seu eixo principal é a taxa de juros; os outro vértices, a ela associados, são o custo da dívida pública que reduz o fôlego fiscal do Estado e o câmbio fora de lugar. Esse, a crise já destravou. Mas é insuficiente”, insiste o professor da Unicamp para disparar em seguida: “Ou o governo mexe no Banco Central e derruba fortemente as taxas de juros ou o antídoto não funciona e seguimos para baixo”.

Confrontado com a hipótese de que uma brusca alteração nos níveis dos juros poderia gerar uma fuga de capitais e um retorno da inflação, Braga não hesita: “Não há nenhuma razão técnica que aponte para isso. Temos reservas expressivas; a inflação declina; o horizonte mundial é de deflação. O diferencial de juros entre nós e o planeta é enorme; portanto, há espaço para reduzir e ainda manter certa vantagem. O argumento conservador em defesa dos juros é terrorismo puro e simples. O governo deve ter coragem política para mexer no BC. Isso implica conversar com o outro lado e a hora é das mais que favoráveis. É hora de politizar o assunto, aqui e lá fora. Vivemos uma indeterminação econômica e ideológica; é hora de dizer: – Vamos baixar as taxas e impedir a fuga de capitais; temos algo em troca a oferecer aos investidores: crescimento econômico. O Brasil tem trunfos. O governo precisa agir. Essa é a hora”.

A seguir trechos da entrevista do economista Carlos José de Souza Braga à Carta Maior.

CM – Já se pode visualizar o passo seguinte dessa crise? Seria uma transição de retorno ao capitalismo regulado?
Braga – Acho difícil falar em retorno de uma coisa diferente a um modelo igual. O capitalismo hoje não é igual àquele subordinado às regras de Bretton Woods com disciplina bancária egressa da crise de 29. Mais que isso, a supremacia da lógica financeira desregulada não é um privilégio dos mercados do dinheiro. O fato novo é que as empresas produtivas também foram contaminadas por essa dinâmica. Seu caixa, que no caso das grandes corporações internacionais detém volumes significativos de liquidez, obedece a uma função financeira agressiva.

CM – Mas a função financeira não existiu sempre?
Braga – Não estamos falando mais de aplicações passivas, defensivas como antes. São estratégias de valorização apoiadas em opções especulativas com câmbio, títulos, matérias-primas de envergadura internacional. Sua contundência nada fica a dever aos profissionais do ramo. Não estamos falando em rentismo defensivo. As grandes empresas praticam um rentismo ofensivo. Estão no jogo da financeirização e não poupam cartas.

CM – Isso complica as saídas para a crise?
Braga – Veja, surgiu uma lógica que não era visível, pelo menos não era plenamente visível, nem no conceito de capital industrial de Marx, nem na concepção keynesiana de capital empreendedor. Isso obedece a uma capilaridade mundial sob hegemonia norte-americana. Não creio que a regulamentação desse padrão capitalista possa se deter nos limites anteriores baseados em regras prudenciais bancárias, exigências de maior contrapartida em capitais líquidos, enquadramento de bancos de investimento, etc. Tudo isso é necessário e deverá acontecer; mas o sistema não termina mais aí.

CM – O que seria necessário para ir além desse ponto, já difícil pelo que se observa?
Braga – Seria necessário um sistema de controle de grande complexidade nacional e internacional. Não enxergo viabilidade política para algo dessa proporção. O que o Volcker (Paul Volcker, ex-presidente do FED e conselheiro econômico indicado por Barack Obama) está dizendo? Ele está dizendo o seguinte: vamos agir, vamos recriar algumas regras, mas com cuidado, não se pode comprometer a criatividade dos mercados. Quer dizer, o limite é imposto pelo lógica que levou à emergência dos supermercados financeiros, o vale-tudo das operações derivativas, alavancadas, etc., robustecidas a partir dos anos 70/80. Ademais, resta a questão nova que o capital produtivo já não se movimenta mais apenas como capital produtivo; a financeirização está arraigada à concorrência, da qual ele não pode se libertar; e a concorrência está associada à financeirização, que desse modo ficou muito mais difícil de se regulamentar.

CM – O Estado que promoveu a regulamentação anterior também não existe mais; não existem as forças sociais que o orientavam…
Braga – Tenho que pedir licença para falar um pouco do estágio sistêmico dessa crise. O que a diferencia das anteriores, nos anos 70 e 80? Antes, cada vez que surgiam problemas num segmento do mercado, o Estado atuava como prestamista de última instância. Garantia as transações; oferecia um seguro às operações do próprio mercado. Dessa vez a crise é tão ampla, desarticulou a tal ponto o sistema, inclusive a capacidade de precificação do mercado que é uma de suas funções fundamentais, que não adianta o Estado dar garantias de última instância. Os negócios travaram. Há montanhas de papéis que nada mais valem; existem ativos tóxicos em poder de bancos, fundos e empresas de valor desconhecido; toneladas de papéis híbridos, composições de diferentes ativos e riscos que ninguém mais sabe exatamente o que significam. Quer dizer, o mercado virou um sistema-sombra, cheio de armadilhas; a desconfiança é geral. Isso é uma crise sistêmica. Os fundamentos foram abalados e deixaram de referenciar os negócios. É aí que entram os Estados.

“O Estado está compondo inteiramente o mercado outra vez”.

CM – As políticas convencionais não resolvem mais?
Braga – O que está ocorrendo com relação aos Estados, a expressão correta, é que eles se tornaram ‘market markers’; ou seja, o Estado está compondo inteiramente o mercado outra vez.

CM – Uma estatização para reconstruir o mercado…
Braga – Exatamente; paradoxalmente é disso que se trata. Uma estatização de enormes proporções para reconstruir os mercados. Daí as trocas envolvendo valores fabulosos de títulos podres por títulos do Tesouro, nos EUA. É uma transfusão. Estatização em defesa da macroeconomia financeira. É isso.

CM – Já ocorreu antes algo parecido?
Braga – Nessas proporções não. Ocorreram casos pontuais que de certa forma sinalizavam o passo seguinte que assistimos. Nunca se deixou de socorrer o sistema nesses trinta e oito anos de financeirização exacerbada e desregulada. Note, falamos de uma dinâmica que já persiste há 38 anos. Portanto, um arranjo capitalista mais duradouro que aquele dos gold age, os anos de ouro, quando o sistema devidamente regulamentado pelo Estado era induzido a trabalhar pelo bem-estar social. Isso durou trinta anos subseqüentes à II Guerra.

CM – Nos anos mais recentes o Estado passou a trabalhar pelo mercado…
Braga – Nunca deixou de intervir para salvar o sistema financeiro dele mesmo. Exemplos: Coréia em 1997; os bancos foram estatizados depois de quebrarem; em seguida devolvidos ao mercado. México, 1994, idem. Agora, nunca em dimensões tais que se pudesse dizer, como hoje, vivemos uma crise sistêmica. A financeirização desregulada trombou nas suas próprias pernas.

CM – É o fim do neoliberalismo?
Braga – Não diria; pelas mesmas razões que não acredito num Bretton Woods II que pusesse novas balizas fundadoras de um novo ciclo do capitalismo mundial. É preciso observar com atenção mais um tempo, mas talvez o pico da crise financeira tenha sido contornado. Vivemos agora a etapa seguinte, o impacto violento na economia real. Tudo vai depender das medidas a serem tomadas pelos EUA, a partir de 20 de janeiro, com a posse de Barack Obama. Creio que vão agir pesadamente. Vão lançar mão de uma política fiscal expansionista para tentar deter a recessão. No que diz respeito aos mecanismos financeiros, devem jogar alguma luz sobre o sistema-sombra e sua teia de negócios insondáveis. Mas não se deve ter esperanças numa grande reforma do sistema capitalista. Algo equivalente ou com a mesma importância histórica que marcou o sistema depois de 29 e depois da Segunda Guerra depende de atores políticos que não enxergo. A característica sistêmica da financeirização, como disse, penetrou inclusive no tecido do setor produtivo. Isso adiciona dificuldades históricas ao surgimento de forças reformistas com a contundência que seria necessária.

CM – No caso dos países da periferia do sistema capitalista, progressivamente minados progressivamente pela crise, a ação estatal também colide com esses limites no centro hegemônico?
Braga – É preciso examinar os casos concretos. Por exemplo, no caso da integração regional, na América do Sul, o grande entrave a uma ação coordenada, que nessa hora seria de extrema importância, são as elites locais. Elas, em sua imensa maioria, selaram seu destino ao destino da matriz hegemônica norte-americana. Isso tem que ser rompido por outra hegemonia.

CM – No caso concreto do Brasil, o que sobra para o governo, na medida em que as decisões já tomadas parecem insuficientes; a crise começa a desidratar o emprego, as contas cambiais e o investimento…
Braga—O Brasil é um desses casos que reúne trunfos para resistir; a partir de sua ação o cenário regional pode até mudar.

CM – Quais os trunfos do governo Lula?
Braga – Bom, antes é necessário dizer que ter trunfos não basta; é preciso utilizá-los. Esse fator está em aberto. Um exemplo: temos reservas expressivas a defender. Vamos defendê-las caso se assista a uma erosão de capitais, como se ensaia aqui e ali? Numa economia aberta o risco de fuga está posto a cada dia. Na crise, ele ganha velocidade agressiva, como estamos vendo. O governo não pode assistir à perda de reservas passivamente. Vai se apoiar onde se as reservas se esvaírem?

“Bretton Woods II não ocorrerá. Pelo menos não nas dimensões e no horizonte de urgência colocado hoje para o Brasil”.

CM – Não dá para apostar numa solução para a crise?
Braga- Bretton Woods II não ocorrerá. Pelo menos não nas dimensões e no horizonte de urgência colocado hoje para o Brasil. Esse é um balizador que o governo Lula deve incorporar de uma vez por todas. Considerando-se que no horizonte visível não haverá uma reordenação virtuosa do sistema, trata-se de defender o que temos. E o que temos não é desprezível. Esse é o ponto a valorizar. Anulamos o endividamento externo e acumulamos respeitáveis US$ 200 bilhões em reservas. O Brasil vinha crescendo em bom ritmo, o mercado interno se fortalecia; os investimentos mostravam um fôlego há muito desconhecido…

CM – Isso tudo tende a se retrair, os sinais apontam um pouco para essa contração…
Braga – De novo, depende. É caso a caso. O governo Lula a partir da saída do ministro Palocci registrou avanços. Os bancos estatais que antes estavam impedidos de agir agora estão mais ofensivos. Nesta crise, têm gerado crédito para suprir a retração do sistema financeiro privado. De outro lado, os indicadores de inflação estão sob controle; o câmbio que estava defasado foi corrigido – brutalmente, diga-se -. mas foi corrigido pela crise; isso dá certo fôlego às exportações numa hora difícil de contração do comércio internacional.

CM – Tem o PAC despontando; um chão firme de retomada do investimento estatal.
Braga – Tem, tem o PAC. Mas aí as coisas começam a mostrar gargalos. O PAC está lento, ademais de ser insuficiente para garantir uma ação anti-cíclica com as dimensões que a crise parece cobrar. Aí caímos no círculo de ferro criado pela política monetária e o custo fiscal que ela impõe ao Estado e a toda sociedade.

CM – Caímos no impasse da taxa de juro mais alta do mundo?
Braga – Exato. Se não mexer aí o Brasil não escapa do tranco mundial. Ou o governo Lula mexe no BC, portanto na política monetária e fiscal, ou não terá margem de manobra para agir como a turbulência exige.

“Não há justificativa técnica para manter os juros em 13,75% como insiste o BC”.

CM – Mas existem obstáculos também. Alega-se em defesa da política do BC que uma mexida forte nos juros induziria a fuga de capitais; a inflação poderia explodir pressionada pelo câmbio; enfim, todo um cenário que amedronta e faz o governo optar pela cautela.
Braga – Vou responder de forma muito simples: isso é terrorismo. Terrorismo a serviço de quem lucra com juros em níveis absurdos. Não há razões de natureza técnica que justifiquem esse cenário. Repito: não há justificativa técnica para manter os juros em 13,75% como insiste o BC. A inflação está baixa e há deflação no mundo. O diferencial entre os nosso juros e os do resto do planeta, que estão caindo, é cada vez mais favorável a uma redução substantiva. Ainda assim permaneceria um bônus ao investidor local. Portanto, a resposta que precisa ser articulada é uma resposta política. É uma escolha do governo e da sociedade. O governo Lula tem trunfos, além dos seus próprios, no campo internacional.

CM – Em que sentido?
Braga – O momento político é favorável a uma ação que mude a política de juros do BC de forma articulada, negociada. Uma renegociação das bases da dívida interna que libere recursos das despesas financeiras do Estado para acelerar o PAC e intensificar o volume de investimentos.

CM – Renegociar a dívida interna com os bancos detentores de títulos?
Braga – Não só, mas também com os grandes investidores, entre eles empresas que, como falamos antes, detém expressivas posições de liquidez. Veja bem, não estou falando em calote. Não. Estamos falando em negociação pactuada. Significa conversar e politizar essa conversa.

CM – Uma ação desse tipo envolveria riscos; deslocamentos de recursos aplicados em títulos para uma corrida ao dólar…
Braga – Por isso disse que o momento político era favorável. O governo tem que negociar, inclusive com o Tesouro de Barack Obama. Esqueçam o FMI e outras instâncias sem poder nem recursos. Deve-se negociar lá, direto com eles. Com o Tesouro norte-americano que se renova em 20 de janeiro.

CM – Qual seria a posição de força do governo Lula para uma empreitada desse tipo?
Braga – O Brasil, como disse, é um dos que têm algo a oferecer. O país dispõe – ainda dispõe – de trunfos. O governo Lula tem cacife político. E tem o que oferecer ao mercado numa negociação em que diz: vou baixar os juros e, em troca, elevar o crescimento da economia e da rentabilidade das empresas. Pode-se adicionar a esse cardápio medidas de incentivo fiscal, como já têm sido feito. Agora, é uma operação de envergadura política e de coragem histórica. Algo dessa importância tem que ser conversado aqui e lá fora. É uma negociação. É sentar com o novo governo dos EUA e colocar as fichas na mesa: – Vamos fazer; o Brasil crescerá em plena crise; isso vai contribuir para reverter a recessão na América do Sul. O conjunto dos encadeamentos regionais interessa aos EUA. Então é isso: vamos fazer, vamos baixar os juros e reforçar investimentos. E vamos impedir a fuga de capitais. Acho que deve ser por aí. Temos chance. E não fazer é esperar que a própria crise nos salve.

Publicado originalmente em Agência Carta Maior, em 05/12/2008